Dois terços dos doentes não deviam estar no hospital revela estudo
A comissão da Fundação Calouste Gulbenkian que no último ano e meio se dedicou a estudar o quebra-cabeças da sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde concluiu que dois terços dos doentes atendidos nos hospitais devia antes ter acesso a mais cuidados de proximidade, como apoios no domicílio. A comissão vai agora lançar três projectos para mostrar que é possível uma mudança de paradigma, estimando poupanças para o Estado superiores a 200 milhões de euros por ano. Os peritos defendem que esta mudança é mais vital para a sustentabilidade financeira do SNS do que haver mais dinheiro.
O trabalho da Gulbenkian, esta semana apresentado a Cavaco Silva, ao governo e aos deputados, faz recomendações em sete áreas. Se os autores admitem que muitas conclusões não são novidade, destacam um “défice de implementação” de medidas que tem mantido inalteradas incoerências no sistema, como os hospitais ficarem com mais de metade das verbas para a saúde enquanto as doenças crónicas somam 70% dos encargos.
Os três projectos, destinados a reduzir as infecções contraídas nos hospitais, a diabetes e a promover melhorias na saúde e bem-estar das crianças, acabam por reflectir as ideias chave defendidas pelos peritos. “Queremos provar que é possível mudar”, resumiu ao i Nigel Crisp, mentor de reformas de saúde no Reino Unido e coordenador dos trabalhos.
Um dos projectos, que a fundação tenciona implementar em dez hospitais já em 2015, visa a redução das infecções contraídas nos hospitais a metade em três anos. Os peritos defendem que todos os hospitais devem começar a divulgar mensalmente a percentagem de doentes que acaba por apanhar uma infecção durante o internamento, complicando o prognóstico. Com base nessa informação, as unidades com melhor desempenho poderão “apadrinhar” os piores e debater boas práticas. Nigel Crisp adianta que, em Inglaterra, as taxas de infecção chegam a ser afixadas à porta das instituições, para serem do conhecimento de profissionais e utentes. O mesmo já é feito com taxas de mortalidade em tratamentos, o que defende que seria vantajoso em Portugal.
Um segundo projecto visa prevenir 50 mil novos casos de diabetes até 2020 e assenta em sinergias entre associações doentes e autarquias, outro princípio defendido pela comissão. Nesta área, a intenção da Gulbenkian é apoiar iniciativas a nível local que incentivem a alimentação saudável e o exercício. Já o terceiro projecto, de longo prazo, corporiza a ideia de que a saúde não depende apenas do SNS. O objectivo da comissão é juntar académicos, profissionais de saúde, escolas e pais na definição de um programa de desenvolvimento infantil que permita avaliar o bem-estar nas crianças e ajude a prevenir problemas como obesidade.
Se a obesidade e pobreza infantil mereceram uma chamada de atenção dos peritos, há uma área em que consideram que o país enfrenta um desafio tão grande como foi o da redução da mortalidade infantil nos últimos 40 anos: aos 65 anos, um português pode esperar viver apenas mais seis anos saudável enquanto na Noruega a expectativa são mais 15.
FUNDO DE TRANSIÇÃO Mais do que soluções fechadas, a comissão apresenta projectos internacionais e nacionais que ajudaram a resolver lacunas agora identificadas em Portugal, por exemplo “um manual do doente”, que na Noruega melhorou a interacção dando pistas de perguntas a fazer numa ida ao médico. Portugal é dos países com uma nível de literacia em saúde mais problemático, sobre o qual a comissão defende que importa intervir. Os peritos sublinham que o aumento da informação sobre saúde deve ser promovida porque, tal como a qualidade, reduz custos. Estimam que um doente que se envolve nos cuidados custe menos 20%.
A Gulbenkian defende que a mudança no sistema para uma organização mais centrada nas pessoas não pode esperar. Embora garantam que, a longo prazo, pagar-se-á a si própria, admitem que para já é preciso investimento. Propõem por isso a criação de um fundo de transição, verbas extra enquanto não se percebe que vagas são abertas nos hospitais por mais cuidados de proximidade.
A criação de um organismo independente para supervisionar a qualidade dos cuidados, maior acesso dos utentes à sua informação clínica e maior envolvimento das autarquias na oferta de cuidados são outras propostas da comissão. Como é que os municípios aumentarão o investimento na actual conjuntura é pergunta que fica sem resposta, ou com a resposta compatível com o estudo. Para a Gulbenkian, trata-se de um plano de reforma do sistema a 25 anos. Nesse sentido pedem mesmo um novo pacto nacional nesta área, em linha com apelos recentes de Marcelo Rebelo de Sousa ou António Arnaut. A ideia é que o planeamento da saúde e uma visão consensual para o futuro seja imune aos ciclos políticos.
Programas
Três projectos da Gulbenkian para a saúde sustentável
Reduzir infecções hospitalares para metade
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