Saúde e bem-estar

A greve “silenciosa” que obriga enfermeiros a estarem no hospital… mesmo sem trabalhar

No Hospital de S. José reina o descontentamento. Obrigados pelo Ministério da Saúde a apresentarem-se serviço, mesmo estando em greve, houve enfermeiros que só estão a “fazer figura”.

Eram nove horas da manhã quando o telemóvel de Andreia Paulo tocou. Do outro lado da linha a chefe de enfermagem do serviço de neurocirurgia, do Hospital de S. José, chamava-a para trabalhar. Mesmo em greve, a enfermeira de 27 anos teve de se apresentar ao serviço, para assegurar os serviços mínimos, que desta vez foram reforçados. Assim como muitos outros colegas.

Em causa está o despacho extraordinário do Ministério da Saúde, de quinta-feira ao final do dia, que obrigou a que todos os enfermeiros escalados para esta sexta-feira nos cinco hospitais e centros hospitalares de Lisboa e Vale do Tejo que estão a tratar de doentes com Legionella estivessem ao serviço. Mesmo nos serviços em que não há serviços mínimos a cumprir. Normalmente, em dia de greve, apenas nos serviços que funcionam 24 horas por dia, todos os dias do ano, os trabalhadores são obrigados a cumprir serviços mínimos. E esses serviços são assegurados pelo rácio mínimo de enfermeiros do serviço, que corresponde normalmente ao número de enfermeiros do turno da noite.

“Tenho pena que o Ministério da Saúde esteja agora preocupado com estes doentes e não se preocupe durante o ano todo com os outros doentes”, afirmou a enfermeira Andreia Paulo.

“Se o Ministério da Saúde acha que os rácios mínimos são insuficientes, então reforce-os”, atirou Andreia Paulo, que se deslocou perto do pavilhão das consultas externas para falar com o Observador, discordando da atuação do Ministério da Saúde. “Mesmo nos serviços onde se recebem doentes com Legionella, os serviços mínimos estariam sempre assegurados, independentemente da greve”, frisou, secundada por duas colegas de profissão, que tiveram receio de falar com o Observador. A mesma enfermeira disse ainda ter pena que “o Ministério da Saúde esteja agora preocupado com estes doentes e não se preocupe durante o ano todo com os outros doentes”. Obrigada a estar no serviço, Andreia frisou que está “em greve” e a cumprir serviços mínimos, não prestando, por exemplo, apoio emocional aos doentes, nem informação aos familiares por telefone, entre outros cuidados que fazem parte do dia-a-dia de um enfermeiro.

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Quanto ao motivo que a leva a fazer greve, “nem são as 40 horas”. “Eu faço greve por causa das condições de trabalho. Em cerca de três anos abandonaram o serviço sete colegas e só dois foram substituídos. Somos cada vez menos enfermeiros por turno e o volume e a intensidade de trabalho é incomportável”, desabafa esta enfermeira que foi a única que, num período de duas horas, aceitou falar connosco. Todas as tentativas até então feitas no pavilhão das consultas externas, o único local em que os jornalistas tiveram autorização para permanecer, foram frustradas. Ninguém queria falar. Com receio. O “estranho” silêncio foi confirmado pelo dirigente do Sindicato dos Enfermeiros, José Carlos Martins, que a meio da manhã disse que a adesão à greve no turno da noite neste hospital rondou os 98,4%, “o que mostra a revolta dos enfermeiros”. Só mais tarde, pelo telefone, o Observador conseguiu falar com mais enfermeiros.

“Eu faço greve por causa das condições de trabalho. Somos cada vez menos enfermeiros por turno e o volume e a intensidade de trabalho é incomportável”, desabafa Andreia Paulo.

Foi esse o caso de João Paulo Zacarias, da unidade de cuidados intensivos da neurocirurgia. Enfermeiro especialista há 20 anos está esta sexta-feira em greve, a cumprir serviços mínimos, à semelhança dos restantes 12 colegas do serviço. Num dia de greve normal só lá estariam 10 enfermeiros. “Estou a fazer greve precisamente pelo desrespeito”, resume o enfermeiro, revelando que “há meses que o meu ordenado nem chega aos 1.000 euros”. João Paulo Zacarias frisa que os enfermeiros estão a sofrer de “exaustão” e conta que só no seu serviço saíram nos últimos dois anos oito enfermeiros e “nenhum foi reposto”.

Oito. Foram também oito os enfermeiros que nos últimos dois anos saíram da Unidade de Urgência Médica, dos quais dois estão a cumprir os últimos dias de serviço. E “ninguém foi reposto”. O ambiente que se vive nesta unidade é o geral. De descontentamento. “Salários mais magros e trabalho a mais”, resume uma enfermeira do serviço, que não quis ser identificada. Esta manhã estiveram 11 enfermeiros ao serviço, todos em greve, ao invés dos oito que seria suposto, e o “trabalho foi o normal de todos os dias”. Com este reforço, “conseguimos repartir um pouco mais o esforço”, remata.

Enfermeiros de braços cruzados

Mas se no caso dos serviços que têm serviços mínimos os enfermeiros, mesmo em greve, estão a trabalhar, o mesmo não acontece noutros serviços do hospital, como é o caso das consultas externas e dos blocos de cirurgias programadas. “A maioria dos enfermeiros está em greve”, assegura Estela Lourenço, enfermeira da consulta externa. “E aqui não há serviços mínimos a cumprir”, acrescenta. Portanto, “estamos a fazer figura”, contou a enfermeira.

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Prova disso é que a médica de cirurgia geral, Alexandra Pupo, que ia operar um doente com um tumor no estômago, teve de adiar a operação por falta de enfermeiros. Nas consultas externas, onde vai pegar ao serviço, já depois das 11 horas, “já me avisaram que não tenho enfermeiros”. “Costumam ser pelo menos quatro na parte da manhã e eu ainda não encontrei nenhum no rés-do-chão”, relatou a médica, explicando que sem enfermeiros “não há pensos nem outros tratamentos”.

Mas a médica mostra solidariedade para com os colegas. “Temos de nos compreender. A greve é uma forma legal de mostrarmos o nosso descontentamento”, referiu a cirurgiã, dizendo não compreender o porquê de se exigir que todos os enfermeiros escalados para o dia de hoje se apresentassem ao serviço, em todos os serviços.

Fonte: Observador

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