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Entrevista a Rosa Valente de Matos: Seis hospitais de Lisboa com fim à vista

Depois de passagem pelo Governo, Rosa Valente de Matos aceitou administrar o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, que integra seis das mais proeminentes unidades hospitalares da capital, à época da nomeação envolto em polémica, depois de vários pedidos de demissão de chefes de equipa em protesto contra as condições de trabalho. Pela frente, tem um dos processos com maior potencial de risco de conflituosidade da próxima legislatura: o encerramento das seis unidades hospitalares hoje existentes, que serão concentradas no novo Hospital de Lisboa Oriental.

Se tivesse de apontar três coisas excecionais do centro hospitalar, quais seriam?

Primeiro, os recursos humanos. A riqueza de ter quase 7900 funcionários a trabalhar em prol dos nossos doentes. O segundo ponto é a capacidade de inovação que este centro tem e que o tem mantido sempre vivo e atual, sendo uma referência em muitas áreas da medicina portuguesa. A terceira é a resiliência, ou seja, a capacidade que as pessoas têm de continuar a trabalhar e a evoluir em situações tão complexas e difíceis ao nível das estruturas e dos equipamentos.

“Cá dentro eu sinto que todos os profissionais querem esta mudança, querem este hospital”

E as três principais preocupações?

Este conselho de administração tem em mãos duas linhas estratégicas muito fortes. Uma é dar continuidade e concluir o novo hospital (de Lisboa Oriental), e quando falo no novo hospital não falo apenas nas paredes, mas em todo o processo organizativo, que temos de trabalhar para quando o novo edifício estiver pronto podermos transitar mantendo o que de muito bom temos, mas também conseguir gerar uma nova dinâmica e novas formas de organização e prestação de cuidados ajustadas às capacidades tecnológicas hoje disponíveis e às necessidades das populações.

Outra, são as pessoas: trabalhar com todos os profissionais, quer no seu desenvolvimento profissional e conciliação entre vida pessoal e laboral, quer no estímulo à participação e envolvimento nas decisões, quer, ainda, nas suas condições de trabalho. Mas  também com os cidadãos, sejam os nossos utentes, a quem temos de envolver, ouvir e trazer para a prestação de cuidados e a quem temos de oferecer cada vez melhores cuidados, sejam as organizações da sociedade, os cuidados de saúde primários, as juntas de freguesia, a câmara municipal, as entidades privadas, a Santa Casa da Misericórdia, com quem temos de dialogar para conseguir oferecer melhores cuidados e para que a transição que se vai fazer daqui por 4 ou 5 anos possa ser serena, pensada e partilhada.

Tendo em conta o sentimento de pertença tão antigo destas instituições, acredita que vai ser uma transição suave? Veja-se a polémica em torno do encerramento da MAC….

Todos temos um sentimento de pertença às nossas coisas, é algo normal que não possamos esconder. Temos é de o saber trabalhar. É verdade que cá dentro eu sinto que todos os profissionais querem esta mudança, querem este hospital. Estas seis instituições não podem permanecer muito mais tempo, estamos todos os dias a adaptarmo-nos (com obras a decorrer), que nos permitem viver neste espaço mais 4/5 anos. Precisamos de um novo hospital, que seja mais tecnológico, mais voltado para fora, para as pessoas. A população também precisa disto.

Sabe que vão enfrentar forte contestação. Como a ultrapassarão?

Pretendemos realizar um trabalho altamente participativo no planeamento do Hospital de Lisboa Oriental, envolvendo, além das instituições da saúde, também os representantes autárquicos e as instituições da sociedade civil com interação com o hospital, de forma a ir construindo passo a passo consensos que permitam que exista o maior grau de aceitação possível do novo hospital no meio em que se insere, sem por em causa a sua missão e prioridades estratégicas e operacionais. Mas existe um aspeto que todos temos de estar cientes, o de que o investimento a realizar (um dos maiores investimentos públicos alguma vez efetuados em Portugal) se destina a ajustar as estruturas de prestação de cuidados de saúde hospitalares na cidade de Lisboa às dinâmicas populacionais da cidade e às necessidades dos cidadãos. Penso mesmo que não será aceitável, quer ao nível da prestação de cuidados quer de utilização dos recursos públicos, que tudo fique na mesma.

“Há seis ou sete especialidades (obstetrícia, pediatria, anestesiologia, radiologia, ortopedia) em que realmente existe uma grande carência de profissionais”

Alguma das instituições vai ficar a funcionar?

Não sei, essa pergunta foi-me sempre colocada e eu já tive várias versões sobre isso. Interessa-me encontrar um caminho para o novo hospital e depois alternativas para estes edifícios, para que possam ter uma função, ligados à saúde ou não.

O que aconteceu ao Hospital do Desterro?

O antigo Hospital do Desterro é propriedade da ESTAMO, como aliás boa parte deste (S. José) e do Curry Cabral.

Em termos de carências, ouvimos que faltam alguns especialistas, como obstetras e anestesiologistas.

Este Centro Hospitalar [CHULC] tem as mesmas carências que os outros. Há seis ou sete especialidades (obstetrícia, pediatria, anestesiologia, radiologia, ortopedia) em que realmente existe uma grande carência de profissionais e isso é um problema. Mas é um problema que está muito associado com a atual organização dos cuidados hospitalares na área metropolitana de Lisboa, em particular os serviços de urgência, que penso, terão que ser objeto de reflexão urgente.

Como é que se ultrapassa este problema sem ser pela reorganização dos serviços? Porque já vimos que a reorganização dos serviços é um bilhete de passagem do dirigente que o propõe para uma ida à comissão Parlamentar da Saúde para prestar esclarecimentos?

O SNS, como todos os sistemas, é dinâmico e precisa de estar em permanente atualização. No entanto, mais do que estar a responder permanentemente a situações pontuais, temos de implementar medidas estruturais, discutidas, ponderadas e implementadas. Mais do que dizer que se resolve com a exclusividade, ou dizer que se resolve com a reorganização dos serviços, se pagarmos mais ou se tivermos mais médicos, acho que é preciso repensar o que queremos fazer com o nosso SNS e envolver os profissionais nas decisões. Temos uma administração pública muito pesada e que precisa de ser atualizada. Temos de ter mecanismos internos de gestão de recursos humanos. Temos também um problema de planeamento, de motivação, de responsabilização dos recursos humanos. O mais importante numa instituição são as pessoas. Não temos processos de avaliação que tenham grande efetividade ou influência nas dinâmicas organizacionais. Temos muitas ideias, pomo-las em prática mas raramente as avaliamos.

Muitas vezes fica a ideia de que existem profissionais disponíveis mas que é o SNS que não os consegue ir buscar. Cada vez que um concurso fica deserto surgem as críticas ao governo. Não há mesmo profissionais ou é uma questão do quanto estão dispostos a pagar?

Normalmente há dois concursos a nível nacional com vagas que são atribuídas às várias instituições. Os médicos internos que terminaram a especialidade são livres de concorrer. Uns concorrem e outros vão para o privado. Há aqui um espaço de oportunidade que há 20 anos não tínhamos.

“Temos muitas ideias, pomo-las em prática mas raramente as avaliamos”

E isso vale para todas as especialidades?

Vale para aquelas seis ou sete de que lhe falei. Neste momento, os privados vão alargando o seu âmbito de atuação. É verdade que o que temos em termos de população médica é aquilo que sai da faculdade todos os anos. Em relação à contratação direta, é claro que há sempre uma consulta ao mercado. Numas especialidades temos, noutras não temos. Por exemplo, o mercado de oftalmologistas é difícil, nós temos uma tabela e temos de a seguir – umas vezes temos concorrentes, outras não.

Existem pedidos de valores superiores aos da tabela?

Haverá sempre. Isso passa pelo serviço de Recursos Humanos, mas, quando se faz uma pesquisa ao mercado, há valores que poderão ir dos 20 euros à hora até aos 50/60.

Agora vamos ter um novo hospital para Lisboa Oriental, que vai absorver as competências destes hospitais centrais. O Hospital de São José tem, neste momento, dimensão para servir a população que lhe está atribuída?

Estamos a fazê-lo, não só no Hospital de São José, mas em todo o Centro Hospitalar. Não vou escamotear que poderá haver listas de espera, até pela questão da liberdade de escolha que nos trouxe novos desafios, que de alguma forma refletem o grande prestigio e confiança da população de todo o país nos nossos profissionais. Temos mais pedidos que vieram complicar as nossas listas de espera que não eram muito excessivas. Estamos a servir em primeira linha uma população de mais de 300 mil pessoas.

Somos em muitas especialidades o centro de referência para o sul do país e para as regiões do Vale do Tejo e do Oeste. A este propósito gostaria de salientar que um dos aspetos mais importantes da nossa ação será o de recentrar a atividade do CHULC nos cuidados de elevada complexidade e diferenciação, que sempre foram a marca distintiva dos nossos hospitais, em estreita articulação e colaboração com outros hospitais. Trabalhar em rede é imprescindível e a tecnologia ao nosso dispor torna tudo muito mais fácil do que há alguns anos. Temos que ter a capacidade de fazer aquilo que compete a cada um de nós, não dispersando recursos, adotando novos processos e metodologias de trabalho, sempre com o pensamento naquilo que pode melhorar a vida dos nossos doentes. Temos de ousar inovar.

Em relação à área da formação, têm muitos internos aqui?

Temos muitos internos de medicina, somos um hospital universitário, mas temos igualmente muitos estudantes de enfermagem, de profissões técnicas de diagnóstico e terapêutica e de outras profissões que nos escolhem para fazer parte da sua formação. Saliento um dado que considero muito relevante que é a crescente procura por profissionais de outros países para fazer estágios nos nossos hospitais. Também queremos investir na área da investigação, porque é uma maneira dos nossos jovens permanecerem aqui. O novo hospital também vai ser universitário, vai ter até uma parte dedicada à formação e à investigação.

Para quando está prevista a abertura do novo hospital?

Dentro de quatro anos, se tudo correr bem. Neste momento, o júri (de que eu faço parte) está a analisar as propostas. Até ao final do ano deve haver uma decisão.

“Temos mais pedidos que vieram complicar as nossas listas de espera. Servimos mais de 300 mil pessoas”

Há muitos candidatos?

Temos oito concorrentes. O novo hospital começou ontem, temos de trabalhar. Vai ser um hospital tecnológico, não baseado na organização tradicional dos serviços que temos hoje. As camas poderão ser partilhadas, por exemplo. A própria estrutura física do edifício vai ajudar a que este processo organizativo seja mais facilitado.

Este novo modelo organizativo implica necessidades em termos de novas competências. Neste momento, a contratação de pessoal é fácil? Há pessoas que poderão ser readaptadas às funções mas há situações em que isso não vai acontecer.

Todos os dias entram e saem pessoas destes seis hospitais. Temos uma área de formação que está ao serviço de todos os profissionais para que o processo de aprendizagem de novas técnicas/práticas ou equipamentos possa ser feito. Mas esta é uma área que temos de continuar a desenvolver e melhorar, até porque o conhecimento na área das ciências da saúde está em constante evolução.

Está disponível para conduzir a nova unidade?

Eu sou administradora hospitalar de carreira. O meu percurso profissional tem sido feito no SNS, à exceção de quatro anos em que estive fora. Enquanto tiver capacidade, estarei disponível para trabalhar se acharem que sou útil. Por onde passei, penso que fiz acontecer e isso faz-me “estar de bem” com a vida profissional.

Dou-lhe o exemplo dos rastreios da ARS de Lisboa e Vale do Tejo. Há 20 anos que se dizia que era a única região do país que não tinha rastreios organizados, de base populacional. Não fui eu que os fiz, mas a minha passagem por lá, com a equipa que consegui montar, fez com que se conseguisse fazer. Nunca se construíram tantos centros de saúde em Lisboa, a ARS tem mais de 30 novos centros de saúde. Outro exemplo, mais recente, pelo qual tenho particular afeto prende-se com os contributos, enquanto Secretária de Estado, para a efetiva valorização das politicas de bem-estar dos profissionais e da conciliação da vida profissional e familiar. Foram pequenos passos, mas é assim que se começa.

Assumiu a gestão de uma unidade que qualquer gestor classificaria como estando em falência técnica, com uma dívida total superior a 160 milhões de euros e uma dívida vencida de mais de 100 milhões. Como explica o ter aceitado este desafio?

Ao aceitar o desafio tinha plena consciência do contexto financeiro global do Serviço Nacional de Saúde em geral e do CHULC em particular. Sabia e sei que é nesse contexto de grandes dificuldades que os gestores hospitalares hoje têm de trabalhar, mas, como dizia um meu professor na Escola Nacional de Saúde Pública, “os hospitais estão sempre em crise”. As instituições em situação difícil são ainda mais exigentes em termos de qualidade e foco na gestão. Sei que aceitei um desafio difícil, mas também sei que podem atingir-se objetivos mesmo com fortes restrições orçamentais.

É possível alterar o rumo da dívida sem sacrificar a qualidade dos cuidados?

É possível, de forma integrada e abrangente, conseguir alguns ganhos de eficiência que se possam converter em melhor desempenho e na entrega dum melhor serviço aos utentes sem aumentar a dívida. É com esse objetivo que, com a minha equipa de gestão e com os profissionais da instituição, trabalhamos todos os dias. No entanto, não vou escamotear que as dificuldades financeiras impendem, muitas vezes, a implementação de medidas e a concretização de investimentos que trariam mais racionalidade, mais eficiência e melhores cuidados. Mas, como referi, vamos trabalhar para melhorar o nosso desempenho com as condições que temos.

Qual o legado que gostaria de deixar?

As prioridades estratégicas dos CHULC são, em simultâneo, planear e construir o novo hospital e valorizar os profissionais e o património físico e tecnológico do atual centro. Por isso me empenharei na valorização do capital humano e físico do centro e na qualidade do serviço prestado. Melhor serviço, gente mais satisfeita. Era isto que gostaria de deixar como marca nesta minha missão.

MMM/SO

Fonte: Saúde Online

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