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Davide Carvalho: “Em Portugal temos cerca de 600 doentes acromegálicos”

O que é a acromegalia?

É uma doença resultante, na maioria dos casos, de um tumor da hipófise – produtor de uma hormona conhecida como “hormona de crescimento ou somatotrofina”. Quando esta doença se manifesta na infância e na adolescência é dado do nome de “gigantismo”, uma vez que ficam com uma estatura superior à média. Na vida adulta, esta hormona já não promove o crescimento mas tem ações metabólicas sobre os níveis da glicose e tem efeito anabolizante (aumento da massa muscular e diminuição do tecido do tecido adiposo). 

Quais as manifestações clínicas?

Os doentes apresentam crescimento exagerado dos tecidos moles, cartilagem e tecido subcutâneo da face, mãos e pés. As manifestações mais importantes são: o nariz, os lábios as orelhas e a fronte são grosseiras, a língua aumenta, os espaços entre os dentes aumentam a mandíbula cresce (causando uma dificuldade de articulação da mandíbula e o queixo proeminente, dado que este é um dos últimos ossos a calcificar).

As cefaleias podem estar presentes. O excesso de pelo pode ser particularmente significativo na mulher. O crescimento dos tecidos moles da garganta pode causar voz rouca e apneia do sono (situação em que uma pessoa para temporariamente de respirar durante o sono, causando níveis inferiores de oxigénio e perturbando o sono). As mãos e os pés aumentam obrigando ao uso de anéis, luvas e sapatos maiores. O aumento dos tecidos do punho pode causar compressão dos nervos das mãos e causando adormecimento e formigueiros dos dedos (síndrome de canal cárpico).

A sudação excessiva com cheiro característico é frequente. O crescimento das extremidades ósseas em particular das cartilagens pode causar artrose.

O lutador francês Maurice Tillet, doente com acromegalia, e que inspirou a criação do Shrek

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico é feito habitualmente pelo doseamento de uma substância denominada Insulin-like growth factor 1 (IGF-1) que medeia a ação da hormona de crescimento. 

É uma doença hereditária?Há uma pequena percentagem de doentes que podem ter doença hereditária, mas a maioria são casos esporádicos. A prevalência em Portugal estima-se que seja 56,5 casos por milhão de habitantes. Isto significa que em Portugal temos no total cerca de 600 doentes acromegálicos. 

Afeta mais homens ou mulheres?

Curiosamente afeta mais as mulheres, mas isso também se deve ao facto de a população em geral ser maioritariamente feminina.

Talvez um dos aspetos interessantes desta doença é que o diagnóstico é muitas vezes atrasado cerca de seis a sete anos. Isto é, o doente tem manifestações como o tal “excesso de crescimento de tecidos moles”. Muitas vezes é feito primeiro o diagnóstico destas complicações e só mais tarde é que é feito o diagnóstico da causa destas pequenas doenças que são associadas a este excesso de hormona de crescimento. 

Significa que está associada a outras comorbilidades?

Os doentes podem ter outros tumores benignos, fibromas do útero, pólipos do cólon. As doenças do coração como a hipertensão e o alargamento do coração com disfunção (cardiomiopatia) e a insuficiência cardíaca são mais frequentes. A diabetes é igualmente mais frequente e pode ser de difícil controlo.

A esperança de vida destes doentes pode ser reduzida em aproximadamente 10 anos. A boa notícia é que a normalização dos níveis de Somatotrofina associa-se a uma esperança de vida idêntica à da população em geral.

Quais os grupos etários mais prevalentes?

De acordo com estudos que realizamos há uns anos, e que deram os valores que citei há pouco, permitiram verificar que a idade média de diagnóstico é aos 49 anos. 

Referiu a dificuldade que existe no diagnóstico… Qual a importância de um diagnóstico precoce?

Estes doentes têm um tumor da hipófise (que é uma glândula que funciona como  maestro do sistema endócrino). Portanto, o diagnóstico muitas vezes é atrasado e o que acontece é que, neste período de tempo, os tumores crescem e invadem as estruturas adjacentes. A primeira terapêutica que se utiliza é a cirurgia e ela nos tumores pequenos chega a ter 100% de cura. Nos tumores grandes varia entre os 50 e os 60%. Desta forma, a importância do diagnóstico precoce é evitar que os tumores aumentem para conseguirmos elevadas taxas de cura. Daí a necessidade de aumentarmos os diagnósticos precoces. 

O tratamento pode incluir ainda medicamentos e radioterapia. Correto?

Os medicamentos são utilizados quando falha a cirurgia ou quando a cirurgia esta contraindicada. Há certos doentes com comorbilidades , como alterações cardíacas graves em que a cirurgia está contraindicada. Nesse caso opta-se pela terapêutia médica podendo ser usados medicamentos  que atuam na hipófise ou que atuam bloqueando a acção da somatotrofina por ação nos seus recetores. 

Quando a cirurgia falha, quando os medicamentos são ineficazes ou quando o tumor é muito agressivo optamos pela radioterapia. 

Podemos usar no mesmo doente  as três opções… Há  doentes que começam por fazer a cirurgia, o tumor manifesta-se como sendo muito agressivo e a crescer rapidamente e optamos por fazer radioterapia. Enquanto a radioterapia não é eficaz, os medicamentos podem controlar os níveis de hormona de crescimento. O inconveniente da radioterapia é que demora alguns anos a atuar e, por isso, neste intervalo de tempo podemos avançar com medicamentos. 

Quais as novidades terapêuticas para um horizonte de curto prazo?

Neste momento as terapêuticas que temos são, maioritariamente, injetáveis. Temos análogos da somatostatina de longa duração. Recentemente foi introduzido mais um análogo da somatostatina ainda mais potente. Os agonistas dopaminérgicos podem ser usados, são orais, mas pouco eficazes.

As perspetivas futuras que temos, a curto prazo, são formulações orais e também substâncias oligonucleotidos antisense (substâncias que bloqueiam a transcrição do ARN mensageiro dos receptores da somatotrofina IGF-1). 

De que forma é que a pandemia impactou o diagnóstico e tratamento da acromegalia?

Claro que a dificuldade de recorrer aos médicos pode ter atrasado o diagnóstico. Muitas vezes os doentes manifestam-se pelo crescimento das extremidades, por terem cefaleias, no caso das mulheres por terem alterações menstruais, por dores articulares, etc. Se os doentes tiverem dificuldades em contactar com o seu médico o diagnóstico pode ser atrasado. 

No entanto, a nível hospitalar a situação não é tão difícil, mas claro que terá tido algum impacto… Vi uma doente recentemente que o diagnóstico foi pensado pelo médico de família em janeiro e já foi observada. Portanto, eu diria que o tempo de espera para as consultas a nível hospitalar não está muito atrasado. 

Em termos gerais a dificuldade é, de facto, pensar no diagnóstico e suspeitando-se é fácil de confirmar. 

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