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Entrevista a Jorge Roque da Cunha. “A ministra da Saúde é mais parte do problema do que da solução”

O SIM aconselhou ou não os médicos, nomeadamente os do Centro de Saúde de Reguengos de Monsaraz, a não auxiliarem os utentes do lar daquela cidade?

A irresponsável atitude que o presidente da Câmara e da Fundação teve em relação aos seus utentes, fazendo com que muitos não tivessem assistência no tempo devido (porque a responsabilidade de acompanhamento médico é da instituição), fez com que os médicos de família tivessem de ir ao lar – podendo não ir, porque o local de trabalho de um médico é o centro de saúde.

Portanto, não teme que o relatório divulgado recentemente pela IGAS possa ter consequências para o SIM?

A IGAS foi instrumentalizada pelo Ministério da Saúde (MS) porque descobre responsabilidades éticas e deontológicas do SIM e da Ordem dos Médicos (OM) e não identifica outras responsabilidades. Os médicos fizeram o seu trabalho no lar apesar de não serem obrigados a fazê-lo. A IGAS não tem qualquer autoridade moral para avaliar a nossa ética e deontologia.

 

Reguengos: “IGAS foi instrumentalizada pelo Ministério da Saúde”

Com que base é que diz que a IGAS é instrumentalizada pelo MS?

Porque houve uma ordem do MS, conforme é referido no relatório, para terem essa atitude perante o SIM e a OM. O senhor inspetor-geral das Atividades em Saúde não é uma pessoa imparcial. A IGAS não é independente, não nos ouviu. Só um MS autoritário chega ao ponto de até a nossa ética e deontologia querer controlar.

Em que ponto estamos no que diz respeito à vacinação dos médicos?

Até agora, foram vacinados cerca de 90% dos médicos com a primeira dose. A vacinação esteve atrasada, mas já se conseguiu ultrapassar um problema, que dizia respeito aos médicos de IPSS e do privado. De momento, a grande carência é nos médicos que já estiveram infetados. De acordo com os estudos e com as recomendações das organizações internacionais, não é pelo facto de terem sido infetados que não necessitam da vacina. Os médicos que estiveram infetados, mas que têm serologias negativas, precisam de ser vacinados. Estamos a exigir isso ao MS, mas ainda não obtivemos resposta.

Como é que avalia o processo de vacinação em curso?

É um processo errático. No dia 28 de março, só estavam vacinadas (com as duas doses) um terço das pessoas com mais de 80 anos. Apesar da propaganda, é preciso chamar a atenção de que há ainda muitos idosos por vacinar. Quando o governo anuncia que, no 1.º trimestre, vai vacinar dois milhões de portugueses sabendo que há fatores que não controla, deveria ter sido mais prudente nos anúncios e no foguetório que fez. Por exemplo, no primeiro lar a receber vacinas, havia mais pessoas do staff do MS e do Ministério da Segurança Social do que pessoas a vacinar. O plano de vacinação não deve ser um instrumento de propaganda do governo.

Quanto à organização, melhorou com o novo responsável da task force. No entanto para se vacinarem 60 mil pessoas por dia, é preciso contratar enfermeiros. Neste momento, os recursos dos centros de saúde estão a ser desviados para a vacinação.

Consultas à noite nos CSP são “medida desadequada”

São positivos, do seu ponto de vista, os incentivos que o governo anunciou para recuperar a atividade assistencial nos cuidados de saúde primários?

Encaro isso com uma atitude insensata. O que o MS deveria fazer era retirar os médicos de família das tarefas que não são suas. Há cerca de um milhão de pessoas sem médico de família e há cerca de mil médicos de família alocados às áreas para doentes respiratórios. Ora, se estão aí, não estão a ver os seus doentes.

Depois, temos cerca de 700 médicos que, se não fizessem mais nada, estariam só a telefonar para os doentes com infeção ativa (considerando que temos cerca de 30 mil pessoas infetadas e que cada chamada demora cerca de 10 minutos). A juntar a isto, ainda temos os médicos que acompanham a vacinação e que têm de manter também a atividade assistencial.

O que o MS deveria fazer era criar condições para ter médicos e enfermeiros apenas dedicados à vacinação, às áreas Covid e ao seguimento dos doentes infetados.

Por outro lado, teriam de ser criadas condições para que os médicos que são contratados todos os anos fossem pelo menos suficientes para colmatar os que se reformam. No ano passado o MS só conseguiu contratar 300 médicos de família.

Portanto, na sua opinião, consultas à noite nos CSP não são uma opção válida?

É uma medida desadequada. Consultas à noite para as pessoas que andam de transportes e que têm dificuldades de acesso não são uma solução. Para os médicos, que já trabalham cerca de 40 horas mais seis horas extraordinárias todas as semanas, trabalharem mais horas é desadequado. É uma forma de o MS tentar lavar as mãos das suas responsabilidades, nomeadamente no que diz respeito à contratação de médicos.

Tem ideia do valor da quebra da atividade assistencial nos CSP em comparação com o período pré-pandemia?

As consultas presenciais diminuíram 38% em 2020 em relação a 2019. A responsabilidade foi do MS, que disse aos centros de saúde para não terem atividade programada. Temos um MS que não respeita os médicos, não respeita a lei, nem a Constituição. Recusa-se a receber os médicos. Esta ministra da Saúde recusa-se a privilegiar aquilo que é uma conquista do 25 de abril: a contratação coletiva. É uma ministra tão indecorosa quanto ao cumprimento da lei que assina um acordo com os médicos e não o publica em Diário da República e que tem a ver com a limitação das horas extra para médicos com contrato de trabalho em funções públicas. Os médicos com contrato individual de trabalho têm um limite de 150 horas.

Marta Temido “tem nostalgia do tempo pré-25 de abril, em que não existiam sindicatos”

Que comentário lhe merece o atraso na atribuição do subsídio de risco, prometido pelo governo, em outubro?

Tal como aconteceu com o prémio, que a Assembleia da República aprovou com o intuito de ser para todos os profissionais de saúde e depois foi atribuído a um conjunto limitado de médicos, a questão do subsídio de risco é igual. O problema de fundo é identificar quem terá direito a receber o subsídio, que deveria ser atribuído a todos as pessoas com atividade clínica. De outra forma criam-se situações de grande injustiça. Aquando da atribuição do prémio, houve equipas de Cirurgia que receberam e equipas de Anestesiologia que não receberam.

Tem esperança de que o reforço do SNS levado a cabo ao longo do último ano se torne estrutural?

Entre 2015 e 2018, o investimento na saúde foi 4,8% do PIB, o que é um valor inferior ao que se registou durante a troika. Quando o governo aprova, no Orçamento de Estado, um valor para o SNS, isso não quer dizer que o vá executar. No tempo da troika havia cortes, no tempo de Centeno havia cativações. Queremos que se resolva o subfinanciamento.

Mas, reconhece que foi feito um reforço do SNS, com um aumento de 1100 médicos, por exemplo?

Não sei onde estão esses 1100 médicos. Aquilo que sei é que há mais de um milhão de pessoas sem médico de família, que há listas de espera para consultas e cirurgias como nunca houve, que as equipas de urgência estão abaixo dos mínimos. Não podemos considerar médicos reformados contratados ou médicos do ano comum como iguais aos médicos que se reformam e que saem. Não queria ver anúncios, queria ver dados objetivos. Não houve, no ano passado, transições de USF de modelo A para B, não houve concursos para assistentes graduados seniores, não houve reforço de equipamentos nos hospitais. Aquilo que foi gasto a mais em 2020 teve, essencialmente, a ver com equipamentos de proteção.

E depois há a questão dos salários dos médicos, que perderam cerca de 35% do poder de compra nos últimos dez anos. É fundamental que seja resposta, nem que seja de forma faseada. Um especialista, em 40 horas, recebe cerca de 2800 euros brutos. Neste momento, os meus colegas mais jovens têm propostas do triplo disso em vários países da União Europeia.

Se tivesse de apontar uma medida para melhorar as condições dos médicos, qual seria?

Investir em equipamentos, instalações e condições de trabalho. Por exemplo, as horas que se perdem a introduzir em sistema as análises clínicas que os próprios laboratórios já têm no seu sistema é uma coisa que não se percebe. Há um conjunto de matérias de desburocratização muito simples que iriam ajudar a que os médicos tivessem mais tempo para atividade assistencial.

Como avalia o trabalho da ministra da Saúde ao longo de quase dois anos e meio no cargo?

A ministra da Saúde tem dificuldade em lidar com a democracia. Tem nostalgia do tempo pré-25 de abril, em que não existiam sindicatos. Não compreendemos como é que o governo, em tempo de pandemia, não fala com a OM, com o SIM, com a Federação Nacional dos Médicos. Nós já demonstrámos que somos parte da solução e não parte do problema. O SIM assinou 36 acordos com governos da República (de vários partidos), com os governos regionais da Madeira e dos Açores, com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, etc. O SIM é um sindicato de diálogo.

Considera que Marta Temido está desgastada neste momento, depois de um ano de pandemia?

O destino da senhora ministra está apenas nas mãos do primeiro-ministro. Neste momento, a ministra da Saúde é mais parte do problema do que da solução. Não cumpre a sua palavra, instrumentaliza a IGAS.

Que prioridades vão marcar o seu novo mandato à frente do SIM?

Fazer com que o governo cumpra os acordos coletivos de trabalho e que cesse a discriminação em relação aos médicos. Reafirmo a total disponibilidade do SIM para negociar.

Tendo em conta a forma como tem vindo a intervir no espaço público, tem ambições de voltar à atividade política?

Neste momento tenho um mandato de três anos e não penso ter atividade político-partidária nos próximos anos. Num momento em que o movimento sindical está a perder força a nível nacional e a nível mundial, os sindicatos médicos têm vindo a restaurar a sua posição. O SIM nunca teve tantos associados – em 2020, tivemos 900 novos associados (dos quais 25% são internos).

Fonte: Saúde Online

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