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Joana Carvalho: “A decisão das autoridades é uma resposta ao mediatismo que está a ser gerado à volta da vacina”

HealthNews (HN)- Os possíveis efeitos secundários da vacina da AstraZeneca estão a causar medo na população. No entanto, existem outros medicamentos de uso diário com efeitos secundários ainda mais graves, como é o caso do paracetamol, ibuprofeno e do Viagra. Como explica este paradoxo?

Joana Carvalho (JC)- Todos os fármacos, medicamentos e vacinas têm efeitos colaterais. Se olharmos para a bula de um medicamento vemos sempre que há efeitos frequentes, raros, muito raros e há ainda uma secção onde se alerta para em caso de algum efeito que não esteja relatado contactar o Infarmed. Isto é algo comum a todos os medicamentos. 

É claro que esses medicamentos que mencionou são de uso comum, portanto ninguém está muito focado nos efeitos secundários. No caso da vacina não é isso que acontece. Em primeiro lugar foi em tempo recorde que vimos as vacinas introduzidas no mercado. Houve muitas pessoas que desconfiaram da eficácia e segurança das vacinas e acharam que não foram feitos testes suficientes. Isso não é verdade… As vacinas, assim como para qualquer outro fármaco, foram sujeitos a testes bastante rigorosos. Não é por acaso que algumas vacinas ficaram pelo caminho. No entanto, esse tempo dito “recorde” deve-se a um esforço sem precedentes, quer financeiro quer de expertise que conseguiu fazer com que as vacinas fossem testadas, tendo sempre por base a segurança e eficácia, e introduzidas no mercado o mais rapidamente possível.

Claro que neste momento toda a gente está focada no que é novo e para o que ainda se pensa que foi lançado muito precocemente e com falta de segurança.

HN- De acordo com a tabela da EMA, que hierarquiza os efeitos secundários raros, os coágulos no sangue provocados pela vacina são de (<1/100.000). O alarmismo que está a ser criado à volta da vacina justifica-se?

JC- Os eventos trombóticos são muito comuns na população em geral. Quando falo destes eventos já estou a falar de eventos trombóticos no geral que acontecem com a AstraZeneca e que também estão descritos com a Pfizer e a Moderna. No entanto, eles ocorrem até numa percentagem com uma incidência inferior ao que é esperado para a população geral. 

Com a AstraZeneca o que se verificou foi uma desproporção de eventos muito raros de tromboses em sítios específicos e pouco frequentes, nomeadamente a trombose venosa cerebral e no abdómen… Mas estamos a falar de 72 casos de trombose venosa cerebral e 24 casos de trombose no abdómen em 25 milhões de pessoas vacinas com a AstraZeneca em todo o mundo. Isto quer dizer que é um efeito muito raro. São tão raros que não se consegue estimar exatamente a sua incidência.

O que aconteceu é que a desproporção destes eventos, ainda que muito raros, é um pouco mais elevada com a vacina da AstraZeneca. Parece que existe uma relação entre os efeitos de trombose e a vacina, mas ainda não se sabe.

HN- O benefício supera os riscos?

JC- Estamos a falar de um evento muitíssimo raro e quando colocamos o risco e o benefício numa balança, o prato tende largamente para o benefício da vacina. 

É provavelmente muito mais frequente haver um efeito trombótico a tomar uma pilula no primeiro ano do que com a toma da vacina da AstraZeneca. Temos de pensar do que é que a vacina nos está a proteger… E quantas mortes há por dia, no mundo, associadas à Covid-19. 

A própria Agência Europeia do Medicamento fez esse exercício e concluiu que os benefícios suplantam os riscos, mesmo estes riscos que são muito raros (se é que realmente há uma relação).

HN- Há quem defenda que as mulheres não deveriam receber a vacina, tendo em conta que os episódios de trombose são mais frequentes no sexo feminino. Qual o seu ponto de vista?

JC- Realmente a trombose de uma forma geral está mais associada às mulheres. Tem a ver com o nosso ambiente hormonal que também aumenta o risco. Na população vacinada não está identificado nenhum fator de risco que obrigue a uma restrição da administração da vacina, nem em termos do sexo nem em termos de faixa etária. 

Mesmo aquela medida que se está a tomar em alguns países de restringir a vacina a determinadas faixas etárias não está recomendado pelas autoridades de saúde. 

Estes países estarão a tomar essa medida por um excesso de zelo e não por base científica. 

HN- Portugal decidiu, à semelhança de outros países europeus, restringir a vacina da AstraZeneca a pessoas mais jovens. Como olha para a nova posição das autoridades de saúde?

JC- Vejo-a como um excesso de zelo. Vejo como algo que as autoridades se veem forçadas a fazer pela pressão da população. Portanto, a decisão que as autoridades tomaram é uma resposta ao mediatismo que está a ser gerado à volta da vacina e não uma decisão com base em evidência científica. 

É perfeitamente compreensível face à opinião pública que se tem gerado, ao medo, à pressão e até mesmo às medidas que estão a ser tomadas noutros países.

HN- Consegue compreender que as pessoas fiquem desconfiadas e confusas quando veem que são dados sinais contraditórios? A EMA diz que os benefícios superam os riscos, mas depois verifica-se a implementação de medidas que restringem a toma da vacina…

JC- É como disse e bem, são tomadas medidas contraditórias e a minha única forma de entender é, de facto, uma tentativa de dar resposta à opinião pública e tentar aliviar a pressão que é colocada. No fundo a população pensa “se noutros países as mulheres jovens não tomam a vacina porquê eu, que sou portuguesa, tenho de tomar”. É por este motivo que são tomadas medidas não meramente baseadas na evidência científica, mas também com base empírica. 

HN- Que repercussão pode ter o ruído que está a ser criado à volta da Vaxzevria [novo nome da vacina]?

JC- A repercussão é mesmo a desconfiança que gera na população em geral, comprometendo o programa de vacinação, o combate à pandemia e o desconfinamento.

Entrevista de Vaishaly Camões

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