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Estes países europeus têm as vacinas que precisam. Mas a população recusa-se a recebê-las

Jean-Francois Monier / AFP

Atualmente, a Europa depara-se com quase metade dos seus países com cerca de 70% da sua população totalmente vacinada, ao passo que a outra metade tem níveis manifestamente inferiores. Como se explica esta discrepância? Há muitos fatores, a começar pela história dos próprios países.

Com quase três quartos da população adulta vacinada contra a covid-19, a União Europeia é o bloco líder a nível mundial no que respeita a inoculações. No entanto, esta classificação esconde uma realidade algo desconfortável: a administração de vacinas tem acontecido de forma desigual entre os diferentes países da União. Alguns países, como Portuga, Malta ou a Irlanda já atingiram praticamente o patamar da vacinação integral, com taxas de vacinação a rondar os 90%, de acordo com o Centro Europeu de Controlo de Doenças. No espectro oposto, a Roménia e a Bulgária vacinaram apenas 33% e 22% dos seus adultos, respetivamente.

O problema não está, como se poderia pensar, no número de vacinas disponíveis, já que todos os estados-membro da União Europeia dispõem de acesso às doses compradas e aprovadas pela pelo Executivo comunitário – Pfizer/BioNTech, Moderna, AstraZeneca e Johnson & Johnson, para além de estarem autorizados a adquirir outras vacinas de forma independente. Foi o caso da Hungria, que adquiriu doses da vacina russa Sputnik para administrar à sua população.

“Eles têm vacinas. Qualquer pessoa que queira ser vacinada pode sê-lo”, explicou Ivan Krastev, um cientista política búlgaro e integrante do Conselho Europeu na área das Relações Internacionais à CNN. No entanto, explica, a Bulgária está com dificuldades em combater o elevado grau de hesitancia da população em relação à toma da vacina, que é potenciado pela instabilidade política, pelas teorias da conspiração e falta de confiança nas autoridades.

“Há um grande nível de desconfiança, que se aplica tanto à Bulgária como à Roménia”, explicou o responsável. “Até a comunidade médica — médicos e enfermeiros — estão hesitantes em vacinar-se, por isso não é uma surpresa que a sociedade, como um todo, também esteja”, acrescentou. Tanto a Roménia como a Bulgária têm registado picos de infeções da SARS-CoV-2 desde o início de Setembro. Na última semana, a Roménia reportou mais de 45 mil novos casos e mais de 800 mortes — números que estão ao nível do pico da segunda vaga registada no país em Abril.

Sem surpresas, o Centro Europeu de Controlo de Doenças avisou esta quinta-feira que os estados com níveis mais baixos de vacinação arriscam-se a ter novos aumentos de hospitalizações e mortes este outono caso decidam relaxar alguma das medidas de distanciamento social.

“Neste cenário, devido à alta circulação do vírus, as pessoas mais vulneráveis, mesmo que vacinadas, também estarão em risco de ser infetadas e de desenvolver sintomas severos”, explicou o ECDC no seu último relatório de monitorização do vírus no qual também apelaram aos países com menos inoculações para tentarem perceber o porquê das respetivas populações continuarem relutantes em vacinar-se e resolverem a questão.

A Bulgária prepara-se para as suas terceiras eleições no espaço de um ano. Os dois últimos atos eleitorais mão resultaram num claro vencedor, com o país mergulhado num claro impasse político e numa permanente campanha eleitoral que não deixam espaço mediático para mais nada. “Tem havido muito mais campanha para as eleições do que campanha para as vacinações“, afirma Krastev. “Nem o governo que estava em funções nem o governo temporário fizeram da vacinação uma prioridade.”

Krastev considera que as vacinas não foram nem são um fator de divisão na sociedade búlgara de acordo com os espectros políticos, uma vez que a desconfiança em relação aos governantes é geral. “Os Estados Unidos da América têm um elevado nível de polarização política. Aqui não é o caso. O que está em causa é a confusão e a repulsa em relação a tudo o que possa ser relacionado com política, o que acaba por ferir a campanha de vacinação”, descreve.

Os meios de comunicação, segundo Krastev, também não ficam impunes nesta matéria. Com o objetivo de tornar o debate “mais interessante“, estes apresentam opiniões “pró-vacinas e e anti-vacinas e atribuem-lhes igual importância e valor, por isso as pessoas ficam confusas“. O governo romeno, por sua vez, atribui as culpas das baixas taxas de vacinação do país nas fake news e teorias da conspiração que são difundidas na internet.

É também possível identificar fortes desigualdades dentro das populações dos dois países. A comunidade cigana, por exemplo, é das menos vacinadas tanto na Bulgária como na Roménia. Dimitar Dimitrov, diretor do Programa para os Ciganos no Open Society Institute de Sofia, afirmou que na origem deste problema podem estar as relações tensas entre estas comunidades e a sociedade em geral.

“Muitos bairro ciganos na Bulgária foram sujeitos a confinamentos sem que uma explicação concreta fosse dada, apesar de os números de infeções noutras partes dos mesmos municípios serem mais altos. Este tratamento por parte das autoridades em relação aos ciganos e aos bairros ciganos mostram o porquê de estes não confiarem nas instituições”, explica Dimitrov.

O investigador diz ainda que muitas pessoas, principalmente nas zonas mais rurais, têm dificuldade em aceder aos centros onde as vacinas estão a ser administradas. “Se é preciso apanhar um autocarro ou comboio e viajar 100 quilómetros para chegar aos hospitais e depois ainda ter que esperar nas filas, isso significa perder tempo e dinheiro. A vacinação, em si, é gratuita, mas ter que chegar aos centros requer gastar dinheiro“, afirma.

Como forma de dar resposta a este problema, o governo romeno já anunciou que irá aplicar recursos extra para assegurar que as pessoas que não conseguem chegar os centros de vacinação são inoculadas, por exemplo, através da visita de um médico às suas residências.

No entanto, e tal como lembra a CNN, o problema da baixa adesão das populações à vacinação contra a covid-19 não é exclusiva da Bulgária e da Roménia. O bloco europeu está, na realidade, dividido em dois. Uma das partes, sobretudo os países do lado oeste, tem a sua população vacinada quase na totalidade, ao passo que a outra, a dos países de este, tem baixas taxas de vacinação e altos níveis de desconfiança em relação às doses. A divisão ocorre onde há décadas se erguia a famosa cortina de ferro.

Dos 27 países que integram a União Europeia, os primeiros 15 da tabela de vacinação localizam-se no que anteriormente era o bloco oeste, enquanto os últimos dez são todos países que integraram a União Soviética. As exceções são a Lituânia e a Grécia, nos 16.º e 17.º lugares, respetivamente. De todos os países de oeste, a Grécia é, de facto, o único que ainda não alcançou a meta de 70% da população completamente vacinada. Nenhuma das nações de este lá chegaram.

Para Ivan Krastev, a forma como a pandemia afetou os diferentes países pode estar a ter impacto no processo de vacinação e nos ritmos a que estes decorem. “Países que foram mais atingidos pela primeira vaga, em 2020, quando o choque foi maior, por exemplo Itália ou Espanha, têm mais sucesso com a vacinação do que outros países que foram atingidos apenas na segunda vaga”, explicou.

Segundo o analista político, o governo búlgaro nunca conseguiu convencer a população do país que as elevadas taxas de vacinação eram uma efetivamente uma prioridade. “Em vez disso, tornou-se um motivo de orgulho nacional que nunca nos tivéssemos que confinar”, explicou.

Anna Nicinska, professora na Faculdade de Ciências Económicas da Universidade de Varsóvia, estudou, ao longo do seu percurso, as razões por trás da hesitação em torno das vacinas, pelo que não tem dúvidas em afirmar que a história tem um papel determinante no processo das pessoas decidirem se devem ou não vacinar-se. Juntamente com a sua equipa, Nicinska analisaram dados relacionados com a confiança das populações de cem países nos sistemas de saúde e nas autoridades sanitárias.

Uma das conclusões a que chegaram é que a a desconfiança é muito maior nos países que fizeram parte do sistema soviético. Por outras palavras, pessoas com experiência em ser enganadas pelos próprios governos têm mais dificuldade em acreditar nas autoridades e instituições oficiais, mesmo após vários anos depois do sistema mudar, explicou a investigadora.

“As pessoas expostas ao Comunismo Soviético confiam menos em outras pessoas, nos governos e nos sistemas de saúde também. A experiência incute desconfiança no domínio público e formal“, afimou Anna à CNN. A investigadora considera que este é um dos motivos pelos quais a exigência de provas de vacinação podem não resultar em taxas de vacinação mais elevadas em alguns países.

“A decisão de uma pessoa se basear ou não baseia-se em confiança e torná-la obrigatória deverá ser contraproducente. É preciso lembrar que em muitos países há um histórico de resistência em relação ao estado, por isso as pessoas arranjariam sempre uma forma de fugirem à vacinação ‘obrigatória’.”

As baixas taxas da vacinação em alguns países são um problema que a Comissão Europeia já reconheceu e considerou um problema. “Enquanto o vírus não for derrotado em todos os estados-membros, ele não foi derrotado“, disse um porta-voz da Comissão à CNN. O organismo afirmou que os países que estão com dificuldades em aumentar a vacinação devem focar-se em realizar campanhas direcionadas especificamente para aqueles que estão hesitantes e reforçar a importância e autoridade da ciência.

  ZAP //

Fonte: ZAP

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