Saúde e bem-estar

Covid-19: donos infetados podem contagiar cães e gatos, revela estudo português

Uma investigação nacional, publicada esta quarta-feira na revista científica Microorganisms, revela que os animais domésticos podem contrair o vírus. Os gatos são mais propensos a ter sintomas e os cães têm maior carga viral. Para já não há evidência de que animais infetem humanos e isolá-los não é uma boa opção, alerta uma das autoras

Os cães e gatos podem ser infetados com o SARS-CoV-2 quando estão em contacto com humanos contaminados com o novo coronavírus, revela um recente estudo português a que a CNN Portugal teve acesso. A investigação analisou 217 animais de estimação (148 cães e 67 gatos) de cinco distritos portugueses: Lisboa, Porto, Braga, Aveiro e Coimbra.

“A covid-19 é agora é uma zoonose reversa” ou seja, uma doença que passa de animais para pessoas e agora de pessoas para animais, começa por dizer à CNN Portugal Isabel Fidalgo-Carvalho, uma das autoras do estudo e também investigadora no Centro Investigação Vasco da Gama, da Escola Universitária Vasco da Gama, em Coimbra.

O estudo, que contou ainda com a investigação de Ricardo Barroso e Agostino Antunes (da Universidade do Porto) e ainda Alexandre Vieira Pires (da Universidade de Coimbra), foi publicado esta quarta-feira na revista Microorganisms, e surgiu da adaptação de uma outra investigação já em andamento, mas cuja pandemia colocou em suspenso.

 

“Já estávamos a estudar vírus em animais que têm capacidade de infetar outras espécies, nomeadamente humanos. Estávamos a desenvolver um estudo e projeto de outro vírus encontrado em cavalos e fomos apanhados pela pandemia, então decidimos analisar os cães e gatos dada proximidade com humanos”, explica a investigadora e também fundadora do Equigerminal, laboratório de pesquisa biotecnológica.

A especialista revela que o estudo veio mostrar que “o grande contacto” que há entre donos e animais de estimação é um foco de contágio para cães e gatos, mas que nem o cão nem o gato transmitem o vírus para os humanos. Os confinamentos – “em que os animais foram o grande apoio dos humanos”, diz – pode ter sido um momento mais propenso a esta passagem do vírus dos donos para os animais.

Segundo a investigação, os gatos são mais propensos a ser contagiados, mas os cães conseguem transmitir cargas mais altas do vírus. Porém, adianta Isabel Fidalgo-Carvalho, “o foco aqui é proteger os animais”.

Donos infetados, animais em risco

Para o estudo foi feita uma sinalização completa de história clínica de cada animal, tendo sido recolhidos, por meio de inquéritos epidemiológicos, dados como sexo, idade, peso, raça, região geográfica e sinais clínicos (assintomáticos, febre, dificuldade respiratória, problemas digestivos, neurológicos e outros), bem como a exposição de animais de estimação ao novo coronavírus (sejam em ambiente familiar ou ao ar livre, no caso de animais de abrigos – nenhum gato do estudo habitava em abrigos, mas essa era a relidade de 20 cães, seis dos quais a habitar em jaula isolada).

Foram feitas ainda colheitas de sangue entre o final de 2020 e início de 2021, quando a variante Alpha dominava, sobretudo a região norte, tendo sido, depois, ultrapassada pela Delta. Posteriormente, e para obter informação sobre a duração das respostas dos anticorpos dos animais, foram feitas novas análises sanguíneas a alguns dos animais do estudo.

Após cruzarem os dados, os investigadores portugueses detetaram anticorpos contra o SARS-CoV-2 em 22 animais: 15 gatos e 7 cães. Do total de 217 animais em estudo, 191 (88%) testaram negativo à presença de anticorpos e quatro tiveram resultados inconclusivos.

Dos 15 gatos que testaram positivo, sete (46,67%) viviam em casas cujos donos estavam infetados, dois (13,33%) tinham estado em contacto com gatos vizinhos (e não testados) cujos donos estavam também infetados, outros dois (13,33%) viviam numa casa com donos negativos e um (6.67%) residia com outro gato não testado na mesma habitação.  No caso dos cães, quatro (57,14%) partilhavam casa com donos infetados com o SARS-CoV-2 e os outros três não.

Fatores como idade, género e peso dos animais não se mostraram relevantes para o risco de infeção, sendo o contacto com um humano infetado o principal fator.

“O SARS-CoV-2 é uma zoonose. Começou [em Wuhan] com um primeiro evento de um animal, que ainda não está identificado, para humano, agora é uma zoonose reversa. E com o contacto que temos próximo com os animais há o risco de os infetar”, alerta a investigadora.

Donos infetam animais, mas o contrário não

“Quero frisar que até à data, sabemos que só está provado que nós infetamos os animais e não ao contrário”, diz a investigadora, apelando a que os donos não se sintam assustados e, com isso, abandonem os animais. “Nós devemos proteger os animais”, assegura.

Embora reconheça que está detetado que, “sempre que [o vírus] passa por um novo hospedeiro e passa de espécie em espécie há variantes que são associadas a espécies animais”, o novo coronavírus não parece ser transmissível de cães e gatos para humanos, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, na Dinamarca com as martas, exemplifica a especialista.

“Foi estudado e foi o único caso que sabemos que o vírus passou dos animais de volta para o humano. Neste caso dos animais domésticos ainda não há nada que diga que possa ser possível [a transmissão para humanos”, assegura.

Isabel Fidalgo-Carvalho adianta ainda que são “as pessoas que infectam os animais domésticos”, sendo que “o grande risco é do dono para os animais”. Mas reconhece que é preciso mais informação para saber como atua o vírus e futuras variantes nestes animais.

Cães com maior carga viral

Os cientistas portugueses notaram que “as duas espécies são propensas à infeção por SARS-CoV-2, com os gatos mais suscetíveis do que os cães”, sobretudo se estiverem em contacto com humanos infetados, lê-se no estudo.

Para Isabel Fidalgo-Carvalho, o risco de infeção “pode não ser muito expressivo em cães, mas eles conseguiram replicar o vírus com uma carga viral alta”, contando o exemplo de um dos animais do estudo, “um cão sem sintomas mas que esteve durante sete dias a secretar o vírus com uma elevada carga viral. Até os donos ficaram surpresos”.

E esta é uma das novidades do trabalho, conta à CNN Portugal. “Todos os outros estudos mostraram que a carga viral era baixa, nós mostramos que é alta”, diz.

Segundo o estudo, em cinco animais (quatro cães e um gato) foram feitos testes por PCR quantitativo em tempo real. Destes, apenas um cão assintomático testou positivo para RNA do SARS-CoV-2 sete dias após o resultado positivo do dono ser conhecido, tal como Isabel Fidalgo-Carvalho explicou.

“Em três dos animais soropositivos, uma segunda colheita de sangue foi realizada para investigar a longevidade dos anticorpos anti-SARS-CoV-2. Um gato foi soronegativo para SARS-CoV-2 três meses após o teste soropositivo, um cão foi soronegativo após um mês e um cão foi soronegativo após nove meses”, revela a investigação.

Gatos mais propensos a infeção e a ter sintomas

Quanto aos gatos, o estudo vem reforçar aquilo que a comunidade científica já tinha identificado: os gatos são mais propensos à infecção. “Sabemos que eles são muito sensíveis a outros coronavírus”, explica a investigadora.

No que diz respeito aos sintomas, também os gatos se mostraram mais vulneráveis. Apenas um cão teve sintomas: problemas digestivos.

Dos 15 felinos com anticorpos detetados, nove (60%) apresentaram mais do que um sintoma: quatro (44,44%) tinham sintomas respiratórios, dois (22,22%) tinham sintomas neurológicos, três (33,33%) tinham sintomas digestivos, dois (22,22%) apresentavam uma redução de apetite e um (11,11%) teve febre. “Adicionalmente, um gato (6,67%) estava coinfetado com VIF [Vírus da imunodeficiência felina], adianta o estudo.

Dos gatos seropositivos, dez (66,67%) recuperaram, enquanto cinco (33,33%) tiveram de ser eutanasiados ou sucumbiram à morte por culpa do novo coronavírus.

Gatos podem infetar gatos

No que diz respeito à transmissão entre animais, destaca Isabel Fidalgo-Carvalho, o estudo veio também reforçar a teoria de que os gatos contagiam outros gatos. “Já há estudos experimentais [sobre contágio entre gatos], no nosso estudo, os gatos com donos positivos apareceram positivos [ao SARS-CoV-2] e outros apareceram positivos e não sabemos onde foram infetados nem como”, podendo o contacto entre felinos ajudar a explicar.

De acordo com os dados da investigação portuguesa, os gatos que vivam em domicílios com pessoas que não estavam infetadas, mas que tinham acesso ao ar livre, também ficaram seropositivos. “Os resultados sugerem que a transmissão de gato para gato é possível e pode ser mais comum do que esperado em ambientes naturais”, esclarece o estudo.

Está na hora de avaliar o impacto da Ómicron

Com resultados já apurados quanto ao impacto da variante Alpha (a segunda mais severa) nos animais de estimação, os investigadores portugueses preparam-se agora para avançar com estudos sobre o impacto que a Ómicron – menos severa, mas muito mais transmissível – pode ter nos animais de estimação e qual o impacto do contacto de humanos com cães e gatos.

“Há um período de duas ou três semanas em que os animais a produzem anticorpos e hemoglobinas para serem testados, estamos numa fase ótima para fazer esse teste”, diz a investigadora.

A equipa de investigadores portugueses vai agora “arrancar novamente com novas amostras em duas ou três semanas”, revela, explicando que o facto de termos passado o pico desta nova variante é uma mais-valia, “porque afeta primeiro os humanos e eles infetam os animais”.

“Estou curiosa para saber qual a carga viral dos animais com a Ómicron”, adianta a investigadora.

Como proteger os animais

Quando questionada sobre o que é que um dono infetado pode e deve fazer para proteger o animal, Isabel Fidalgo-Carvalho não hesita em responder: “ter as mesmas medidas de proteção que tem com as pessoas”. Mas reconhece que não é fácil, sobretudo manter o distanciamento.

Para a especialista, isolar os animais, mesmo que em zonas da casa com todas as condições, não é uma boa aposta, pois “pode causar stress”. No caso dos gatos, o isolamento e o stress que provoca “vai influenciar muito o desenvolvimento da doença”.

“O ideal é mesmo tomar as devidas precauções, usar as medidas como se usa com as pessoas, como a máscara”, conclui.

O estudo sugere ainda que “a testagem de cães e gatos pode ser importantes não só para garantir a saúde do animal e prevenir a evolução/adaptação viral nos animais de estimação, mas também para avaliar melhor os fatores de risco do potencial estabelecimento de reservatórios animais e/ou potencial contaminação ambiental com SARS-CoV-2”.

 

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