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A guerra é um começo na maternidade subterrânea de Jitomir

A invasão começou no dia 24 de fevereiro e, menos de uma semana depois, na madrugada de 02 de março, um bombardeamento aéreo no quarteirão vizinho arrancou as janelas da ala oeste da maternidade. As grávidas e recém-nascidos já tinham sido transferidos para o piso menos um.

“Nesse dia, nasceram três crianças prematuras”, recorda Iryna, uma das enfermeiras que se encontrava de turno na madrugada do raide aéreo, enquanto presta assistência a Yulia, 33 anos, e ao seu segundo filho, Maxim, nascido há dois dias com 32 semanas de gestação.

Logo que começou a receber chamadas sobre o bombardeamento – que arrasou um quarteirão de casas frágeis e um mercado informal, junto das instalações de uma unidade de forças especiais ucranianas, matando pelo menos quatro civis -, Maryna Tyschenko, 56 anos, diretora adjunta do Cento Pré-Natal, correu para a unidade.

Afinal, no primeiro dia da invasão, o aeroporto de Jitomir já tinha sido atingido por ataques russos, no mesmo instante em que decorriam duas operações cirúrgicas na maternidade e que eram impossíveis de interromper sem colocar em risco as vidas de mães e bebés.

A ala subterrânea da maternidade começou a ser preparada logo nesse dia 1 de guerra. Todos os pisos foram encerrados, exceto a cave e o primeiro andar, ao mesmo tempo que se reparavam janelas e outros estragos e várias grávidas eram transferidas para outras unidades de saúde desta cidade situada a cerca de 150 quilómetros a oeste da capital, Kiev.

“Desde 08 de março, temos tudo a funcionar normalmente”, assegura a responsável, indicando o caminho por uma discreta porta metálica, numa ala lateral do edifício, que, em dois pares de degraus, dá acesso à nova maternidade subterrânea de Jitomir.

É logo atrás daquela porta que caminha vagarosamente Darina, agoniando dentro de um roupão azul, cujo volume denuncia a sua avançada gravidez. Vai dar à luz ainda hoje de um rapaz que se chamará Yevgen.

Ao longo de um extenso corredor pouco iluminado, alinham-se encostados às paredes berços, biombos, camas e macas, que só serão usados caso a maternidade receba mais gente do que aquela que pode instalar. O que dificilmente acontecerá tão depressa. À semelhança de outras cidades ucranianas atingidas pela guerra, parte da população de Jitomir, que tinha 270 mil habitantes antes de 24 de fevereiro, fugiu para outras regiões mais seguras do país ou do estrangeiro.

Na adaptação em tempo recorde da cave do Centro Pré-Natal, todas as divisões que comunicam com o corredor foram adaptadas a novas funções. Tudo conta, e até baterias de automóveis são usadas como acumuladores de energia, caso haja falhas de abastecimento e o gerador também se apague.

A antiga lavandaria é agora uma sala de anestesia, um espaço de formação passou a posto de reanimação, um gabinete de enfermeiros começou a funcionar como bloco de partos, outro como bloco cirúrgico, com duas camas para cesarianas, a somar a um laboratório de análises, equipamentos de ecografia, tratamento de prematuros e enfermarias.

Apesar de o primeiro piso estar ainda em funcionamento, todas as sete utentes que se mantêm na maternidade estão instaladas nas caves, de modo a não haver perdas de tempo nem riscos quando soam as sirenes de alarme de ameaça de ataque aéreo. A situação militar em Jitomir está mais calma por comparação às primeiras semanas de guerra, mas os toques continuam frequentes: “Esta noite, foram duas vezes, na sexta, foram três”, descreve Maryna Tyschenko.

Ao todo, 55 crianças nasceram nas caves desta maternidade desde o início da invasão russa, e nenhuma se perdeu. Dasha, 25 anos, está “profundamente agradecida” ao pessoal médico e conta os escassos dois dias no calendário exposto na parede para que o seu filho Nikita, nascido em 11 de março aos sete meses de gravidez, tenha alta.

“Todos estes alarmes metem-me medo e estava muito preocupada se tivesse de enfrentar mais bombardeamentos num abrigo”, conta a mãe recente, acarinhando o frágil ser com uma semana apenas de existência, reconhecendo que, ao menos, naquele subterrâneo hospitalar, sente-se segura: “Aqui consigo defender o meu bebé”.

O pai registou-se nas Forças Territoriais ucranianas no dia 21 de fevereiro, três dias antes da eclosão da guerra. Apareceu uma única vez na maternidade para conhecer Nikita e, logo a seguir, partiu para um local que Dasha ignora, tal como o momento em que voltarão a reencontrar-se.

A sua irmã está também grávida de 36 semanas e será igualmente para esta cave que virá a qualquer instante, numa rendição que Dasha não hesitou em recomendar, mais os seus “grandes especialistas, que dia e noite estão aqui para proteger mães e bebés”.

Maryna Tyschenko dá graças por muitos profissionais do pessoal clínico que desapareceram nos primeiros dias da invasão, para transportar as suas famílias para regiões seguras, tenham, na maioria, regressado. Com os apoios reunidos dentro da Ucrânia e da ajuda proveniente da Unicef e de países vizinhos, a unidade tem igualmente todo o equipamento e medicamentos para se manter autossuficiente durante mais um a dois meses.

“Estamos agora todos mais calmos e adaptados à situação. Mas também revoltados com tudo isto”, desabafa a diretora adjunta do Centro Pré-natal, nascida na Rússia, e que sente pena por amigos e familiares que se mantêm no país agora inimigo “sejam incapazes de compreender o sofrimento que se está a passar a Ucrânia”.

Carrega ainda dias inteiros de inquietação por causa de um filho que se ofereceu como voluntário para transportar deslocados de regiões de alta instabilidade, como Luhansk, no leste da Ucrânia, para a segurança de Lviv, no oeste.

Sem muitos motivos para sorrir nas últimas semanas, conforta-a, ao menos, que esta maternidade seja um “símbolo de vida” num país em guerra: “É um começo na Ucrânia e a Ucrânia vai vencer”.

LUSA/HN

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