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Especialistas defendem centralidade do doente no sistema de saúde

Filipe Costa, Head of Value Based Healthcare na Luz Saúde e professor assistente na Nova SBE, Carlos Santos, presidente do conselho de administração no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Carlos Cortes, presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, Rui Pinto, secretário da direção nacional da Ordem dos Farmacêuticos, e Ana Sampaio, presidente da Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino, defenderam veementemente a centralidade do doente no sistema de saúde, no primeiro workshop realizado no âmbito do programa “Mais Valor em Saúde – Vidas que Valem”, no dia 21 de março.

Este programapretende contribuir para cimentar a cultura de Value Based Healthcare (VBHC) através da análise dos problemas atuais do Sistema Nacional de Saúde, da capacitação dos intervenientes na tomada de decisão, do rigor na avaliação de resultados e da transparência na sua divulgação”, disse a organização.

No workshop da passada segunda-feira – pontapé de saída para a segunda edição do programa -, Carlos Santos referiu que as “metodologias de Value Based Healthcare têm a vantagem de colocar exatamente o doente no centro da transformação da cadeia de valor em saúde, até porque a abordagem está exatamente focada nos melhores resultados para o doente”, considerando também os custos.

Em Portugal, o doente não está no centro do sistema, “anda a passear pelo sistema” e “anda perdido no sistema”, segundo Carlos Cortes, que sinalizou, em seguida, outro problema: “Há uma espécie de hipersegmentação do doente”, que “acaba por deixar, ao longo do seu percurso, um pouco de si dentro desse sistema”. “Estas hipersegmentações do doente prejudicam todo o sistema e desfocam-nos daquilo que efetivamente é o importante”, o bem-estar do doente, alertou o médico.

Se por um lado “não é possível ter uma abordagem baseada em valor sem incluir os doentes nestes processos”, e até “os sistemas de financiamento ganham se forem também trabalhados com base na auscultação ativa dos doentes” – apontou Carlos Santos -, por outro “é difícil aceitar-se o que o doente diz”, de acordo com a presidente da Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino. “Muitas vezes não lhe é dada a oportunidade de ter uma posição crítica”, “no sentido de melhoria”, acrescentou a oradora.

Rui Pinto concorda que é preciso ouvir mais os doentes, e defende inclusivamente que é por aí que se deve começar: “Uma primeira coisa que nós temos de fazer é precisamente um levantamento do que é que” tem “mais valor para os doentes, tendo em conta as diferentes patologias que eles têm, porque cada patologia tem a sua especificidade”, sendo que os farmacêuticos do SNS também podem, no contacto com os utentes, auxiliar nesse trabalho. Contudo, continuou, “parece que há uma grande barreira em irmos falar com o doente”, que hoje sabe informar-se “bastante bem”.

Para Carlos Cortes, “há aqui um paradigma novo” relevante e que deve ser aprendido: “nós olharmos para o valor produzido no doente” e “deixarmos de nos preocupar exclusivamente com a produção”. Por outro lado, é também “muito importante” em tudo isto “irmos às especificidades, às especificidades das patologias, às especificidades dos serviços, e não olharmos para todas estas questões” considerando apenas um hospital ou um conjunto de hospitais.

O presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos lamentou a inexistência de um “gestor do doente”, e sublinhou: “Tem de haver alguém que acompanhe esse doente ao longo das várias consultas que ele tem, ao longo das várias unidades de saúde por onde ele passa”. O profissional mais habilitado para este acompanhamento é o médico de família, que deve preocupar-se com o bem-estar do doente dentro e fora dos serviços de saúde, o que implicar estar atento ao ambiente, à residência, às condições de habitabilidade, ao bem-estar físico e à dieta, por exemplo. Ou seja, “não olharmos só para a questão dos tratamentos, para a questão dos atos que são produzidos, mas [para] tudo aquilo que está à volta do doente”, com a supervisão do médico de família e da equipa de saúde que o envolve, é um dos apelos do médico.

Já Ana Sampaio criticou a organização por especialidades – um “modelo esgotado”, na sua opinião – e deu o exemplo da doença inflamatória intestinal: “nós já nós debatemos há muitos anos sobre a necessidade de haver equipas multidisciplinares”. Essas equipas deveriam olhar para o doente “como um todo”, para poderem intervir nos diferentes problemas que fragilizam a sua saúde.

Quando a moderadora Marina Caldas perguntou se essa solução não implicaria altos custos, Filipe Costa respondeu: “Caro é termos 38% de ineficiência”; “caro é nós não percebermos qual é a nossa missão e a nossa visão”. “Se nós tivermos tomadas de decisão conscientes, efetivas perante a informação que temos, com todos os stakeholders envolvidos, a probabilidade da redução da ineficiência é muito grande”, acrescentou.

A conversa sobre a organização do sistema de saúde foi desde os doentes aos líderes. Sobre as lideranças, Ana Sampaio lamentou que os chefes não “desçam” aos consultórios, aos gabinetes, às salas de espera e às farmácias hospitalares, e, na sequência da sua intervenção, Filipe Costa afirmou que o “líder faraónico” não deveria existir.

Por seu lado, Carlos Cortes disse que a comunicação entre profissionais de saúde e administradores hospitalares durante a pandemia foi fundamental, e que esses atores “têm que ter vontade de comunicar uns com os outros, não se podem enclausurar. “Têm que saber falar de forma muito descomplexada.”

Carlos Santos frisou que “todas as transformações organizacionais são difíceis”, e a dificultar a mudança está, neste momento, a falta de autonomia das organizações de saúde. “Diria que as organizações de saúde não estão dotadas dos níveis de autonomia necessários a essa transformação”, declarou. Estas organizações – prosseguiu – são confrontadas com a necessidade de ter instrumentos que lhes permitam medir o valor em saúde associado aos investimentos, e é preciso maximizar o potencial humano.

Segundo Filipe Costa, “o mecanismo burocrático” e “mecanicista” instituído nas organizações de saúde “leva a que a tomada de decisão seja tudo menos provida de autonomia”. “E isso tem tido esta consequência: tempo, ineficiência, não centralidade na produção dos resultados, e acabamos por perder imenso do ponto de vista daquilo que é a efetividade da cadeia, porque não temos esta capacidade de, perante a informação que temos, tomar as melhores decisões em todas as estruturas.”

O professor da Nova SBE advertiu que os investimentos na saúde “têm que ser cirurgicamente apontados”, tendo afirmado depois que é preciso pensar no bem comum, avaliando os resultados produzidos para o doente, e deixar as ideologias de lado. “Portugal tem excelentes iniciativas, mas depois tem fracas concretizações”, apontou.

“Nós temos um Serviço Nacional de Saúde excelente, que é reconhecido pelos países mais desenvolvidos”, mas continuam a desperdiçar-se recursos, segundo Rui Pinto. “Quando nós temos recursos num sítio e não temos noutro, às vezes por questões ideológicas não se vão buscar”, explicou.

Segundo o representante da Ordem dos Farmacêuticos, os “muitos pilares” do sistema nacional de saúde “parece que sustentam coisas totalmente diferentes, e nós temos que olhar para esses pilares para sustentar um único edifício, com um único fim”.

A pandemia de Covid-19 trouxe lições importantes. Carlos Cortes destacou a prevenção e promoção em saúde, Rui Pinto falou da importância do sistema de vigilância epidemiológica, da prevenção e da identificação atempada da doença, e Ana Sampaio realçou a relevância da mobilização da sociedade civil e do trabalho em conjunto.

HN/Rita Antunes

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