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O cansaço, a falta de paciência e o “negacionismo” que afinal não é

O presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, Gustavo Tato Borges, reconhece que é compreensível que Portugal tenha “níveis elevados de fadiga pandémica”.

“Estamos a falar de uma população habituada a um contacto social próximo, alargado e bastante intenso, que de repente teve que deixar de ter e viver no seu dia a dia”, afirma.

Tato Borges salienta que “não é só o cidadão, mas também os profissionais de saúde, os dirigentes políticos, todos têm um cansaço muito grande desta temática e desta doença”.

“Portugal já não tem paciência para a obrigatoriedade do uso de máscara, para ficar em isolamento e para perceber que, de facto, o caminho é manter um pouco mais estas medidas para podermos controlar de forma mais assertiva esta doença. Temos vontade de largar tudo e partir para uma normalidade que, infelizmente, não vai voltar a existir”, afirma o médico em declarações à Lusa a propósito dos dois anos do aparecimento da Covid-19.

O sociólogo Alberto Gonçalves, que é também cronista em vários órgãos de comunicação social, assume ter “opiniões pouco populares” sobre o combate à pandemia, que até lhe valeram uma ameaça de processo por ser “negacionista”, rótulo que no seu caso teria que encaixar em alguém com duas doses de vacina que depois resolveu não tomar a terceira por ter contraído Covid-19.

O rótulo, decalcado do chamado negacionismo do Holocausto, tese avançada por pessoas que põem em causa o extermínio dos judeus pelo regime nacional-socialista alemão durante a II Guerra Mundial, banalizou-se depois de começar a ser aplicado a uma “franja de conspiracionistas que negavam e ainda negam que houve um vírus ou outros que vão ainda mais longe”.

“Essa ideia parte de um princípio verdadeiro, mas agora os media e, infelizmente, boa parte dos cidadãos que tomaram a palavra do Governo sempre à letra e fizeram questão de achar que todas as regras que emanavam do Governo eram absolutamente sensatas, fizeram por espalhar, ou contaminar o uso da palavra ‘negacionista’ a toda e qualquer pessoa que duvidava da eficácia ou da utilidade das medidas do Governo ou chamava a atenção para o prejuízo que elas podiam causar”, analisa.

Para Alberto Gonçalves, instalou-se uma mentalidade que leva a “demonizar um adversário para o desvalorizar”, mas “muitas das afirmações que se imputavam ao suposto negacionismo hoje são reproduzidas como ortodoxia, como o número de casos não ser tão relevante, que a testagem tem falhas, que o número de internados e de mortos é contabilizado de formas diferentes de acordo com cada país ou de cada hospital”.

“Se uma pessoas dissesse estas coisas há uns meses, eram blasfémias. O que era negacionismo ontem, deixa de ser hoje, passa a ser uma ideia mais ou menos aceite pela maioria das pessoas. Mas há gente que resiste e está muito agarrada à pandemia, não quer que ela acabe. Contudo, nota-se que há uma mudança muito forte nos últimos dois meses das ideias relativas à pandemia que são aceites”, estima.

Gustavo Tato Borges sustenta que não faz sentido esperar um regresso ao modo de viver pré-2020: “esta doença vai continuar a existir no nosso meio, precisamos de uma comunicação muito dedicada, de voltar a dar a entender a importância que a atitude de cada um de nós tem no combate a esta pandemia, para resolvê-la, minimizá-la e não voltar a precisar de ter medidas mais restritivas como as que tivemos nos últimos dois anos”.

“Lidámos com uma doença completamente nova e desconhecida, para a qual não tínhamos nenhuma arma terapêutica e fomos lutando o melhor possível”, recorda.

“A nossa sociedade precisa de libertar algum deste ‘stress’ e visão negativa que temos no combate à pandemia e ter uma estratégia nova de integração da covid-19 no nosso dia a dia para voltarmos a regular de forma mais natural esta doença no nosso meio”, defende Gustavo Tato Borges.

Um exemplo, indica, pode vir dos países asiáticos onde já eclodiram outras epidemias com novos vírus, que estavam “mais habituados a um contacto social mais contido e ao uso de máscara de forma regular”.

“Se calhar, têm menos fadiga pandémica e uma mentalidade social de maior preocupação com o próximo, de se protegerem e evitarem o risco, que Portugal não tem tanto”, avança.

Alberto Gonçalves prevê que se superará a “irracionalidade que se apoderou das pessoas” em relação a aspetos da pandemia, mas salienta que viver com a covid-19 “tirou uma camada de verniz à sociedade, mostrou o que ela é e não é uma coisa muito bonita de se ver”.

“Quando foi o levantamento da necessidade do certificado de vacinação para entrar nos restaurantes, vi muitas pessoas no Twitter, no Facebook, furiosas com a medida, não por uma questão sanitária mas porque tinha levado as vacinas, terceira dose e tudo e agora os não vacinados podiam entrar nos mesmos sítios que elas”, conta.

O sociólogo aponta que houve pessoas que “se for preciso, vão para a rua em vigílias a pretextos mirabolantes, mas que na relação com o próximo têm este tipo de comportamento discriminatório”.

“Pessoas que denunciaram restaurantes que não pediam certificados, pessoas que no início da pandemia gritavam das janelas para que uma pessoa a passar sozinha na rua fosse para casa, mostram o pior desta pandemia, mostra o que as pessoas estão dispostas a fazer e a aceitar não dá muita esperança. Não é uma questão do nosso tempo, é da essência humana”, considera.

LUSA/HN

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