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Vítor Tedim Cruz: “Precisamos de um ‘exército’ bem organizado na luta diária contra o AVC”

HealthNews (HN)- O AVC é a principal causa de morte e incapacidade em Portugal. O que é que está a falhar no nosso país?

Vítor Tedim Cruz (VTC)- A redução da incidência de AVC na população é um dos objetivos mais difíceis de atingir. Os principais fatores de risco vascular modificáveis são muito frequentes e dependentes de estilos de vida – e.g.: hipertensão arterial (HTA), colesterol elevado, diabetes, tabagismo, obesidade, sedentarismo –, sendo que metade dos indivíduos, quando atingem os 50 anos de idade, já apresenta pelo menos três destes fatores.

Rever o controlo destes fatores, anualmente, com o médico de família, é um passo crucial. Um outro aspeto importante é garantir o acesso a prevenção secundária a todos os doentes identificados como de elevado risco vascular, muitas vezes depois de um evento como um AIT, AVC ou EAM, que motiva uma avaliação vascular mais extensa. Todas as oportunidades para reduzir o risco individual e coletivo são cruciais nesta luta permanente contra o AVC.

Relativamente ao tratamento agudo, importa garantir o acesso a estes cuidados de forma homogénea em todo o país. Existem grandes áreas do país onde os serviços estão bem organizados e onde existem bons indicadores de qualidade de acesso a tratamento de fase aguda. No entanto, é importante replicar os bons resultados de organização e qualidade em todo o território, nomeadamente nas regiões interiores, sul e ilhas.

No âmbito da reabilitação, o problema é de uma dimensão maior e mais complexa, pois é necessário garantir e manter serviços de qualidade por longos períodos de tempo após um AVC. Esta área carece de maior atenção, recursos e, eventualmente, reorganização dos recursos disponíveis. O nosso objetivo é devolver as pessoas íntegras à sociedade.

Assim, e em resumo, garantir o acesso da população a prevenção primária e secundária e a qualidade do tratamento agudo são o caminho a seguir para reduzir a incidência e aumentar a sobrevivência sem sequelas.

HN- Quais são os grandes desafios a resolver a curto/médio prazo nos quais a Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral poderá intervir?

VTC- Continuar a apostar na sensibilização da população ao longo de todo o ano, com a promoção de atividades locais, nacionais e mesmo internacionais, no sentido de repetir as mensagens fundamentais para a deteção e ação rápida (e acertada) perante um AVC. Qualquer pessoa deveria conhecer os sinais de alerta do AVC, os 3 F – alteração na fala, alteração na face (os doentes identificam uma boca ao lado) e perda de força num dos membros do corpo –, e saber que, na presença de um destes sinais, deve ligar-se de imediato para o 112 para ativar a Via Verde do AVC. Esta é uma ‘autoestrada’ para que, no meio da confusão que são os serviços de emergência, as pessoas possam rapidamente ter acesso ao tratamento. O cérebro é um órgão muito delicado e, ao contrário de outros, não aguenta muito tempo sem circulação. As primeiras horas são determinantes. É por isso que a SPAVC insiste na mensagem de que “tempo é cérebro”.

Estas ações de sensibilização constituem atividades presenciais, como palestras, rastreios, sessões de atividade física, entre outras, habitualmente organizadas a propósito de datas ligadas à patologia: Dia Nacional do Doente com AVC (31 de março) e Dia Mundial do AVC (29 de outubro); mas também ações digitais em permanência, quer através das redes sociais da SPAVC, quer na associação a campanhas com componente online (como é o caso da campanha global “Fast Heroes”, dirigida às crianças e jovens).

Neste ponto, a comunicação social cumpre um papel fundamental e insubstituível de fazer chegar à população (espetadores, leitores, ouvintes) mensagens de prevenção e tratamento atempado.

Paralelamente, a SPAVC pretende intervir também, a curto/médio prazo, na área da investigação, promovendo estudos (já em curso, através de grupos de trabalhos constituídos) para conhecer melhor a realidade dos hospitais que tratam AVC em Portugal, bem como caracterizar os doentes, para, assim, poder agir em conformidade com os resultados e principais desafios identificados.

Estes dados permitirão, também, que a SPAVC possa ter um papel mais ativo junto da tutela, com planos delineados a partir dos achados à escala nacional.

HN- Desde 2005, quais foram as maiores conquistas da SPAVC?

VTC- As principais conquistas não são da SPAVC, são da população portuguesa. É para a população que trabalhamos.

Nos dias de hoje e face a 2005, o AVC é menos negligenciado, quer pela população, quer pelos profissionais, instituições de saúde e SNS.

Salientaria dois aspetos essenciais: todos os hospitais que realizam trombólise têm uma Unidade de AVC ou estão muito próximo disso e sabem como se articular para garantir o acesso a tratamento endovascular na fase aguda do AVC, disponível nos centros de maior dimensão nacional; o INEM tem o AVC como prioridade e desempenha um papel crucial no pré-hospitalar para garantir que o doente com AVC chega ao local certo, na hora certa e com a informação certa.

Salientaria duas áreas de atenção máxima para onde devemos dirigir recursos: prevenção primária e secundária; reabilitação da fase aguda e das sequelas.

Nestas duas áreas, temos profissionais da melhor qualidade, mas é necessária maior atenção para garantir as devidas condições e meios de trabalho, de modo a conseguir responder à população em tempo útil e com qualidade.

HN- O que nos pode dizer sobre o 17.º Congresso Português do AVC?

VTC- O 17.º Congresso Português do AVC acontece entre os dias 2 a 4 de fevereiro de 2023, no Hotel Sheraton Porto. Este congresso representa o retomar do formato presencial, após dois anos em modelo 100% virtual, devido à pandemia Covid-19. No entanto, mantendo a internacionalização e facilidade de acesso que as edições anteriores, em formato 100% virtual, vieram acrescentar, a SPAVC mantém a opção de participação virtual para todos os não-residentes em Portugal Continental, com especial enfoque no Brasil e nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), que têm demonstrado grande interesse em acompanhar os nossos congressos e não queremos que fiquem de fora.

O evento anual da Sociedade Portuguesa do AVC conta novamente com a participação de especialistas de referência em diversas áreas de interesse, quer do panorama nacional, quer além-fronteiras, incluindo 11 palestrantes estrangeiros já confirmados. A aposta da SPAVC em integrar convidados internacionais no seu congresso anual tem-se mantido uma constante, por considerarmos que a troca de experiências multiculturais e a partilha de exemplos muito distintos podem ajudar a reinventar a realidade nacional.

A variedade de temas incluídos este ano, na tentativa de percorrer as áreas da prevenção primária e secundária, do tratamento agudo e da reabilitação, mas também outros temas de reflexão e de grande atualidade, como a sustentabilidade na saúde ou a saúde mental, tornam este congresso verdadeiramente multidisciplinar e aberto a todos os que querem aprender e deixar o seu contributo.

A SPAVC disponibiliza ainda seis cursos formativos pré e pós-congresso, com públicos-alvo diferentes, em temáticas específicas como “Enfermagem Neurovascular”, “Técnicas ultrassonográficas para guiar decisões terapêuticas na Unidade de AVC”, “Como comunicar no pós-AVC com o doente que não consegue falar”, “Genética e AVC”, “A Via Verde do AVC em 9 perguntas” e “Metodologias MIND”. Este é o primeiro ano em que o congresso acolhe este número tão expressivo de cursos, despoletados por necessidades identificadas em anos anteriores, “o que demonstra o interesse dos profissionais de saúde em formação cada vez mais especializada como complemento ou aprofundamento das suas valências e/ou áreas de intervenção”.

Todas as informações sobre o programa, os intervenientes, os cursos, entre outras, podem ser consultadas no website da SPAVC.

HN- Para terminar, que mensagem gostaria de deixar aos sócios e aos nossos profissionais de saúde?

VTC- Precisamos de todos os profissionais de saúde neste combate ao AVC. A abordagem desta doença é verdadeiramente multidisciplinar: a Medicina Geral e Familiar é absolutamente fulcral na prevenção primária; na fase aguda, necessitamos da Neurologia, Medicina Interna, Neurorradiologia de Intervenção, Enfermagem, Cardiologia; na reabilitação, que começa na fase aguda, necessitamos de equipas de reabilitação completas e articuladas, incluindo a Fisiatria e também todas as intervenções como fisioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional, nutrição, psicologia, entre muitos outros.

A formação é muito importante e a aproximação entre pares cumpre um papel importante nesta interdisciplinaridade exigida.

Juntem-se a nós neste debate. Precisamos de um “exército” bem organizado na luta diária contra o AVC.

Entrevista de Rita Antunes

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