Inventor francês de pílula abortiva chama proibição de Wyoming de ‘escandalosa’

O cientista francês Etienne-Emile Baulieu, conhecido como o pai da pílula abortiva, disse que é “escandaloso” e “um revés para a liberdade das mulheres” que o estado americano de Wyoming tenha banido a droga.

Baulieu, que aos 96 anos ainda trabalha em tratamentos para depressão e mal de Alzheimer, não mediu palavras sobre a proibição.

“É um retrocesso para a liberdade das mulheres, principalmente para aquelas em posição mais precária que não têm meios de ir para outro estado” para fazer um aborto, disse ele em entrevista à AFP.

Na semana passada, Wyoming se tornou o primeiro estado dos EUA a proibir o uso da pílula abortiva.

Foi o último ponto marcado para ativistas antiaborto conservadores nos Estados Unidos depois que a Suprema Corte anulou a direito constitucional ao procedimento no ano passado, deixando a política para cada estado.

Baulieu disse que dedicou grande parte de sua vida a “aumentar a liberdade das mulheres”, e a proibição foi um passo na direção oposta.

Nascido em Estrasburgo em 1926 de pais judeus, Baulieu foi criado por sua mãe feminista depois que seu pai, um médico, morreu quando ele era menino. Aos 15 anos, Baulieu se juntou à resistência francesa contra a ocupação nazista.

Ele passou a se autodescrever como um “médico que faz ciência”, especializado no campo dos hormônios esteróides.

Convidado para trabalhar nos Estados Unidos, Baulieu foi notado em 1961 por Gregory Pincus, conhecido como o pai da pílula anticoncepcional, que o convenceu a focar nos hormônios sexuais.

De volta à França, Baulieu projetou uma forma de bloquear o efeito do hormônio progesterona, essencial para a implantação do óvulo no útero após a fertilização.

“Eu queria fazer um contragestivo”, que interrompe a gestação, disse à AFP.

Em parceria com o laboratório francês Roussel-Uclaf, o medicamento oral RU-486, também conhecido como mifepristona, foi desenvolvido em 1982, fornecendo uma alternativa segura e barata ao aborto cirúrgico.

Mas houve uma longa batalha para que a droga fosse autorizada nos Estados Unidos, onde ativistas antiaborto a apelidaram de “pílula da morte”.

‘Fanatismo e ignorância’

No início de março, o presidente francês Emmanuel Macron elogiou a resiliência de Baulieu ao presentear o cientista com a Grand-Croix de la Legion d’Honneur, o mais alto escalão do sistema de honras da França.

“Você, um judeu e um lutador da resistência, foi dominado pelos insultos mais atrozes e até mesmo comparado a cientistas nazistas”, disse Macron.

“Mas você resistiu, por amor à liberdade e à ciência.”

A esposa de Baulieu, Simone Harari Baulieu, produtora de mídia na França, disse que “a adversidade escorre dele como água nas costas de um pato”.

Ela acrescentou que o recente “retrocesso” nos Estados Unidos foi impulsionado por “fanatismo e ignorância”.

Mesmo aos 96 anos, Baulieu vai ao seu consultório no Hospital Universitário Kremlin-Bicetre, nos subúrbios ao sul de Paris, três vezes por semana.

Pilhas de fotos, diplomas e fichários contêm “o trabalho de uma vida”, disse o cientista, acrescentando que ainda quer “ser útil”.

Seu último prêmio foi atribuído ao seu terno azul, mas Baulieu disse que “nunca esperou seriamente receber tais honras”.

“Foi um prazer, mas o que me interessa é melhorar a saúde das pessoas.”

‘Força motriz’

A equipe de seu laboratório continua a pesquisa que ele iniciou anos atrás com o objetivo de prevenir o desenvolvimento da doença de Alzheimer, bem como o tratamento para depressão grave, para a qual os ensaios clínicos começam nos próximos meses.

Baulieu disse que “não há razão para não encontrarmos tratamentos” para ambas as doenças, que teimosamente escaparam de muitas tentativas anteriores.

Julien Giustiniani, líder da equipe do Instituto Baulieu, criado para financiar pesquisas sobre demência, disse que Baulieu estava “sempre entusiasmado”.

“Ele é um força motriz para nós”, disse Giustiniani.

Embora Baulieu agora use uma bengala para andar, ele exala uma energia incansável.

Ele credita parcialmente o uso de DHEA, um hormônio natural produzido pelo glândula adrenalque Baulieu descreveu pela primeira vez na década de 1960 e foi apresentado como um suplemento antienvelhecimento.

As causas que dominaram sua vida foram “mulheres, saúde cerebral e longevidade”, disse Baulieu.

“Eu ficaria entediado se não trabalhasse mais”, acrescentou.

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