opiniãoSaúde e bem-estar

Um dia na urgência de um Hospital do SNS

Carta de utente que exprime a sua experiência numa Urgência Hospitalar e elogia o trabalho notável dos profissionais de Saúde com tão poucas condições:

 

“Ontem tive o infortúnio de ter de recorrer a uma urgência hospitalar do nosso país… O Hospital da minha área de residência é o Hospital de São Sebastião em Santa Maria da Feira. Por motivos não muito benéficos para a sua imagem pública este Hospital e o seu serviço de urgência tem sido um dos que têm vindo a público com notícias de doentes que morrem pelos corredores enquanto esperam por serem atendidos, de tempos de espera escandalosamente elevados para um serviço que é de Urgência, etc…

Posso relatar o que tive oportunidade de experienciar enquanto utente.

Passei inicialmente pela triagem e perante a intensidade das minhas dores foi-me atribuída uma pulseira cor de laranja. Pensei que estaria quase, quase a ser observado e a ver-me livre de tão imenso sofrimento. Puro engano! Estive uma hora e trinta e cinco minutos para ser observado por um médico!

Esperei por corredores sobrelotados de doentes que vomitavam, urinavam… e sim… que defecavam pelos cantos. Havia doentes em pé pois não havia lugares para se sentarem, deitados no chão, etc. Eram umas 100 pessoas num local que seria adequado para menos de um terço. Tive tempo para contar os lugares sentados da sala/corredor de espera – tinha 30 lugares. A maior parte tinha pulseira amarela e pelo que fui ouvindo diziam que esperavam já há mais de 6 horas e que hoje até era um dia bom pois já houve muitos dias com tempos de espera para os amarelos de 12 e mais horas! Eram doentes que pelo que me apercebi recorriam frequentemente a este serviço pelas doenças crónicas de que padeciam e que por isso sabiam do que estavam a falar.

As pessoas berravam para serem atendidas, entravam em consultórios médicos desesperadas enquanto outros doentes lá estavam a ser observados. Os médicos iam chamando doentes e sempre que o faziam eram ameaçados por alguns que estavam à espera: “se o meu familiar morrer você é o responsável”, “ou me atende já ou eu perco a cabeça”, “é preciso eu morrer para ser atendido?”, “isto não é um hospital é um matadouro”…

Não vi qualquer segurança ou autoridade a impor ordem pública naquele local. Pondo-me do outro lado não deve ser nada fácil trabalhar neste ambiente de pressão e ameaça constante. Apesar de estar a desesperar por ser atendido com dores agonizantes compreendi a impotência dos médicos em ver tantos doentes que estavam à espera e outros tantos que estavam a ser tratados lá dentro. Não gostaria nada de estar do lado daqueles profissionais e percebi porque “fogem” os médicos a trabalhar nas urgências.

Eu estava em sofrimento mas lá tive de aguentar e olhando para o panorama geral fiquei estupefacto… Serviço de urgência com estas condições?! Não pensei que uma urgência de um Hospital pudesse ser assim… O aspecto daquele corredor era o de um filme de terror!

Nos enormes ecrãs LCD estavam a falar dos serviços de urgência de todo o país. No dia anterior tinha falecido um doente nos corredores deste hospital enquanto esperava para ser atendido e essa era a noticia de abertura. De acordo com o jornalista segundo a administração do hospital os tempos de espera já estariam normalizados… Como?! Eu e alguns dos utentes que estavam a ver a tal reportagem olhámos estupefactos uns para os outros. Não foi preciso dizer nada os nossos olhares falavam. O normal deste serviço de urgência pelos vistos era aquilo!!
A administração deste hospital deve ser a imagem do nosso governo, está tudo bem enquanto toda a gente vê o barco a afundar.

Chegou a minha vez de ser atendido. O clínico que me observou disse-me o que eu já imaginava e que me tinha sido dito pelo Enfermeiro da triagem…

Fui levado pela médica para uma sala de tratamento onde me seria administrada uma injecção e colheria sangue para análises.

Se a sala de espera era um pesadelo então esta sala de tratamento nem existem palavras para a descrever! Eram doentes uns em cima dos outros, em macas, em cadeirões, em bancos, etc. Tudo o que era espaço estava ocupado! Tenho a certeza trouxe ou dois vírus comigo pois controlo de infecções naquele local é impossível! Doentes a expectorarem para cima do doente ao lado, a vomitarem para os pés uns dos outros, a urinarem em cadeirões que eram ocupados logo de seguida sem sequer serem limpos. Estavam uns 50 doentes a serem tratados numa sala que teria condições para uns 15 – e isto não é nenhum exagero! Juro que nunca pensei ver nada assim! Pelo que percebi aquele era apenas um sector do serviço de urgência e era o sector mais pequeno, nem imagino como estariam os restantes.

Os enfermeiros desesperavam por macas para colocarem doentes… Não havia mais diziam os maqueiros!

Enquanto estava a fazer a medicação e aguardava pelo resultado das análises fui observando o funcionamento daquele serviço. No tempo em que ali estive existiam dois enfermeiros que não paravam por um minuto. Devem ter tratado de uns 50 doentes nas 3 horas em que lá estive. Era admirável a produtividade daqueles profissionais. Não pensem que era trabalho fácil, tipo dar um comprimido. A maior parte dos doentes que ali estavam eram doentes muito idosos e muito débeis. Tinham que colher analises em veias que não existiam, fazer imensa medicação, tinham que ser algaliados, trocadas fraldas, etc. Depois haviam muitos doentes com falta de ar com necessidade de fazer oxigénio e como não existiam saídas de oxigénio para tanto doente iam sendo espalhadas botijas por tudo o que era canto. Havia apenas uns 4 monitores que eram repartidos pelos doentes mais instáveis. Os enfermeiros iam fazendo o seu trabalho com uma ginástica incrível pois quase nem tinham espaço para se movimentarem! Auxiliares parece que havia uma para dois sectores – como é possível?!

Nas macas que estavam umas em cima das outras haviam dois velhinhos numa posição muito caricata e que chamou a atenção de muitos que ali estavam. Sem que os enfermeiros se apercebessem – pois sabia que o que estava a fazer não deveria ser legal – tirei uma foto dos dois. Era uma imagem de tão grande beleza no meio daquele caos de doenças e de sofrimento que não podia deixar de a registar…

Estes dois velhinhos desorientados, cada um na sua maca, permaneceram de mão dada durante mais de uma hora. Estavam tranquilos.

Um deles tinha de ir fazer Rx e o maqueiro veio busca-lo.

Passados uns minutos um dos enfermeiros virou-se para o outro e disse-lhe discretamente, anda vamos levar este senhor para o outro sector pois o estado dele piorou…
Ninguém naquela sala se apercebeu mas eu reparei… o velhinho faleceu naquela maca. Deixou de respirar logo depois do “amigo” ter ido embora. Morreu numa sala sobrelotada e ninguém deu por ela, nem sequer o “amigo” que lhe dava a mão quando regressou do Rx…

Saí da urgência sem dores mas com aquela imagem na minha cabeça e na alma…

Parabéns a todos os profissionais daquela urgência! Fazem um trabalho notável com tão poucas condições! Triste do país e da população que não vos valorize!…”

Fonte: SNSPrimeiro.pt

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