“Até o cão, o gato e o periquito” podem dar consultas – ZAP Notícias

Alteração dos estatutos das ordens profissionais está a ser contestada por médicos, enfermeiros e advogados. Já provocou uma demissão na saúde, e a Bastonária da Ordem dos Advogados lança agora o alerta: com os novos estatutos, “até o cão, o gato e o periquito podem prestar consulta jurídica”.

O diploma do Governo que altera os estatutos de 12 ordens profissionais está a receber forte contestação por parte dos profissionais das classes envolvidas.

Esta semana, o Coordenador da Reforma da Saúde Pública, Mário Jorge Neves, demitiu-se, em desacordo com a chamada nova lei das Ordens e Estatutos, que classifica de “ofensiva liquidacionista” do Governo — uma demissão que o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, considera que “só pode ser um equívoco”.

“Estas medidas governamentais constituem uma violenta e escandalosa tentativa de liquidação de elementares competências legais da Ordem dos Médicos e de ingerência política e governativa na autonomia e independência técnico-científica da profissão médica”, escreve o médico, numa carta enviada à imprensa.

Em declarações ainda antes de receber a proposta de estatutos, o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, manifestou-se preocupado com a proposta do Governo, afirmando que “pode estar em causa” a missão e o papel da classe, admitindo eventuais medidas de luta.

Mais forte é a opinião de Fernanda de Almeida Pinheiro. Em entrevista ao Expresso, a Bastonária da Ordem dos Advogados,considera que o Governo “não ultrapassou uma ou duas linhas vermelhas, passou-as todas“.

O diploma, diz a bastonária, acolheu as recomendações da Autoridade da Concorrência, que “já eram perigosas”, e retirou aos advogados a exclusividade da consulta jurídica”.

Segundo Fernanda de Almeida Pinheiro, o Governo atribuiu essa competência a “praticamente todas as pessoas, licenciadas ou não, e a organismos públicos, como municípios, juntas de freguesia, associações, organizações não governamentais ou empresas, sem conhecimentos técnicos e sem supervisão”.

“Até o cão, o gato e o periquito podem prestar consulta jurídica”, conclui a Bastonária da Ordem dos Advogados.

Esta convicção, diz o Expresso, é partilhada por Ana Rita Cavaco, Bastonária dos Enfermeiros, que estão desde o início “na frente da contestação” ao diploma do Governo.

A formulação final do diploma que altera os estatutos de 12 Ordens Profissionais, adaptando-os ao estipulado no regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, foi aprovado pelo Governo no Conselho de Ministros da passada quinta-feira.

A proposta de lei altera os estatutos das Ordens dos Médicos, Advogados, Engenheiros, Médicos Dentistas, Notários, Enfermeiros, Economistas, Arquitetos, Engenheiros Técnicos, Farmacêuticos, Revisores Oficiais de Contas e Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.

Em comunicado, a Presidência do Conselho de Ministros salienta que o diploma visa “eliminar restrições de acesso às profissões e melhorar as condições de concorrência, processo iniciado com a entrada em vigor da lei publicada em março”.

Esta lei altera o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais e regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas a associações públicas profissionais.

Segundo a nota, foram “auscultadas todas as entidades relevantes para o processo”.

A versão final do diploma do Governo será remetido ao parlamento, para efeitos de apreciação e aprovação.