“A cadeira de prata” – artigo de opinião
Sentada à beira da cama, deita-se após muitas palavras soltas de desabafos, uma utente.
“A ansiedade apoderou-se de mim.”
Para além do típico: “Tenha calma” que apetece sair disparado quando vemos alguém nervoso, sai uma palavra de compreensão: “O que poderá estar a deixá-la ansiosa?”
Com os olhos alvissarados a utente alteia a voz e diz: “Senhora enfermeira, eu não sei porque é que não me explicaram até agora o que se passa comigo. Vêm aqui uns segundos e vão embora. Eu quero saber mais pormenores. Sabe, eu sou uma pessoa de literacia, sou curiosa, pesquiso muito sobre a vida. É a primeira vez que me vejo aqui. Tem que haver alguém aqui comigo que me explique e que converse comigo.”
Estimei poder não estar mais de dois minutos naquela posição de escuta ativa mas fui ao pormenor de todo o contexto das intervenções de enfermagem proporcionadas e do que representaria o respeito por alguns cuidados que deveria ter de acordo com a sua situação de saúde.
Ao fim de muitas perguntas e esclarecimentos fiquei uns sete minutos.
Quanto a senti mais tranquila fui apressando os meus passos e, de repente, ouvi a utente reiterar:
“Sabe, eu vou comprar uma cadeira de prata e colocar aqui.”
Olhei para trás para tentar compreender o que quereria ela dizer em concreto. A utente diz-me de olhos bem imperativos e movimentos expressivos: “Eu vou comprar uma cadeira de prata! Sim. Ouviu bem. Vou comprar uma cadeira de prata para que você se sente aqui ao pé de mim e não saia daqui. Eu compro-lhe. Não estou a brincar.”
Simplesmente a utente tinha acabado de retratar aquilo que de mais essencial existe: o “Estar” em enfermagem e a sua importância que de prata se reveste para quem está deitado numa cama de hospital e experimenta o que é estar naquele sitio onde não se conhece ninguém, não há tempo para estar e ficar um pouco: o suficiente para dar alguma tranquilidade tão necessária quando tantas dúvidas assolam quem por lá passa.
Diria mais: uma cadeira de ouro- porque a nossa tranquilidade, bem estar e ter alguém do nosso lado nas dificuldades e momentos negativos, que nos ajuda a compreender o que estamos a viver e que intervém na prevenção e resolução, tem um valor incalculável.
Interessa apenas cumprir os objectivos institucionais e o enfermeiro que faz enfermagem com os valores humanos que lhe estão vinculados, ou em vez do “e” devêssemos colocar “ou“?
Interessam as contas, os números e assistir às dificuldades reais de quem exerce neste momento a enfermagem? “E” ou “ou“?
Afinal quem são os utentes? Não podemos ser todos nós?
É preferível ignorar que somos o pilar do sistema nacional de saúde e aceitarmos tudo aquilo a que nos propõem?
Quando os valores se perdem numa decisão de poder resta apenas dizer: aquilo que quem manda decide sob estrutura da sua decisão: um dia experimenta.
Afinal, quem gostarias que se sentasse ao teu lado, um dia, nesta cadeira de prata?
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