Atualidade

Um ano de guerra e impacto na saúde

Mário André Macedo
Enfermeiro Especialista em Saúde Infantil e Pediátrica

Há pouco mais de um ano acordamos todos com uma notícia chocante: a Rússia tinha invadido a Ucrânia. As consequências deste ato são bem visíveis no último relatório da Comissão para os Direitos Humanos da ONU, publicado no final do mês de fevereiro: 8.101 baixas a que se juntam 13.479 feridos na população civil, embora os números reais sejam provavelmente maiores. Cerca de 6 milhões de pessoas estão internamente deslocadas, enquanto mais de 8 milhões procuraram refúgio noutros países europeus, dos quais perto de 60 mil em Portugal.

Uma das características da invasão russa é o ataque sistemático às infraestruturas civis, incluindo fornecimento de água e eletricidade, e ao sistema de saúde ucraniano, negando o direito da população a aceder a cuidados de saúde, sejam eles preventivos, curativos ou de reabilitação. A OMS reporta um total de 802 ataques, que causaram 101 mortos e 135 feridos.

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O facto de alguns destes hospitais terem sido atingidos repetidamente, demonstra a intencionalidade do ataque. Os profissionais de saúde nos territórios ocupados são identificados e colocados a trabalhar, em regime de coação, a favor das forças ocupantes. Nos territórios não ocupados, as carências de água, eletricidade, medicação e restante material clínico, dificultam a atividade assistencial. As dificuldades financeiras que a Ucrânia enfrenta, que provocam o atraso no pagamento de salários dos profissionais de saúde desde novembro 2022, também provoca um constrangimento adicional, pois muitos dos trabalhadores, procurando formas de subsistência, acabam por abandonar a prestação de cuidados. De facto, mais de sete mil profissionais de saúde ucranianos submeteram pedidos para trabalhar na Polónia desde o início da guerra, dos quais metade já se encontra a trabalhar no novo país.

A cobertura vacinal das crianças diminuiu consideravelmente. Há duas doenças que preocupam a curto prazo: o Sarampo e a Poliomielite. Sobre a primeira, que permanece endémica no território, provocou o maior surto deste século na Europa no período 2017-2019. Com 115 mil crianças infetadas, das quais 41 faleceram. A cobertura vacinal em 2017 situava-se apenas nos 42%. Com esforço das autoridades de saúde e apoio da OMS, este indicador aumentou para os 88% em 2021, bastante melhor, mas ainda assim, menor que os 95% recomendados para se atingir imunidade de grupo. É estimado que este valor tenha diminuído para 74%, sendo o valor nos territórios ocupados uma verdadeira incógnita.

Antes da invasão russa, a versão inativada do vírus da Pólio tinha regressado à Ucrânia, e feito 20 vítimas na população pediátrica. A invasão suspendeu os programas de vigilância assim como a campanha de vacinação extraordinária que pretendia proteger 140 mil crianças. Em setembro, a UNICEF entregou 700 mil doses para auxiliar neste importante objetivo, embora as dificuldades logísticas que o país enfrenta, a enorme quantidade de refugiados internos, com dificuldade no acesso a água potável e saneamento básico, mantenham a classificação do risco do regresso da pólio como bastante elevado.

A guerra continua sem um fim à vista. O auxílio humanitário às populações não pode ser esquecido. Além de medidas para resolver o conflito de forma justa e duradoura, é necessário restabelecer a saúde do país. Sempre defendi que Portugal tinha um papel importante neste domínio, pela vocação universal do SNS, pelo respeito que o país a nível internacional possui sobre o tema da diplomacia da saúde, e pela competência reconhecida dos nossos profissionais, tanto no eixo operacional como no planeamento estratégico.

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Mas devido a esta natureza de guerra prolongada e de atrito, é necessário pensar de forma mais profunda na ajuda concedida ao setor da saúde. Não pode ser apenas reativa e de emergência. Precisamos de pensar e planear necessidades a médio e longo prazo. Tanto nas doenças transmissíveis, que além das já referidas neste texto, há urgência em retomar o diagnóstico, seguimento e tratamento dos doentes HIV e tuberculose, como das doenças não transmissíveis, como as oncológicas e diabetes.

A Assembleia Mundial de Saúde da OMS do ano passado, teve como lema “paz para a saúde, saúde para a paz”, numa recordação de como não só a saúde beneficia com a paz, mas como o investimento em saúde pode auxiliar a resolução de conflitos. Obriga os atores envolvidos a comunicar e a chegar a acordos, ao mesmo tempo que envolve quem está no terreno, criando uma coesão social que até aí era inexistente. Sendo certo que é uma metodologia mais apropriada a outro tipo de conflitos, não tanto ao que estamos a assistir com a invasão russa, não deixa de ser uma estratégia que será essencial na fase de reconstrução. Em breve teremos uma Ucrânia independente e democrática. Uma estratégia de saúde como promotora da paz e desenvolvimento será essencial e trará benefícios a todos.

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